_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima, sobre o mesmo assumpto_.
CARTA.
Forte co'a vossa promessa
Dura voz se vai alçar;
Não vem como das mais vezes,
Não vem pedir, vem ralhar;
Não he de esteril rabugem
Raiva inutil, que em mim lavra;
Venho brigar, e vencer-vos,
Minha arma he vossa palavra;
São Leis os priscos rifões;
Na mão a Lei me mettestes;
Sei que a ricos não deveis,
Mas a pobre promettestes;
Promettestes, que huma Imprensa
Faria hum faminto farto;
Meu livro, e as vossas promessas
Inda estão no vosso Quarto;
Sei que a vossa Illustre Caza
He das que honrão Portugal;
Mas eu quero outra melhor,
Quero a Caza Manescal;[32]
[Nota de rodapé 32: Administrador da Imprensa Regia.]
Reis de Hespanha a vossa honrárão,
E eu espero o mesmo delle;
Fizerão-vos _Ricos Homens_,
O mesmo me fará elle;
Vós sois Protector das Artes,
E dahi meu mal viria;
Talvez que pela da Dança
Vos esqueça a da _Poezia_;
Por _Dutein_ esquece tudo;
Estes grupos tão gabados,
Não digo que são os vossos,
Porém são os meus peccados;
As tres Graças a fadárão,
Mas seus dons funestos são;
Tira ás Deozas a maçã,[33]
E a hum triste Poeta o pão;
[Nota de rodapé 33: Fazia a figura de Venus na Pantomima, em que se
reprezentava a fabula de Páris, julgando-lhe o pomo de oiro, destinado á
mais formoza.]
Se a vosso Pai vou queixar-me,
Juro que acceita a querella;
Juro, que vos quer os olhos
Antes em mim, do que nella;
Mas, Senhor, deixando graças
De poetica licença,
Este brinco quer dizer
Que apresseis a tal Imprensa;
Até por curiozidade
Forjai-me este mialheiro;
Só para vermos que effeito
Faz em mim o ter dinheiro;
Talvez que altiva luneta
Nos piscos olhos traidores
Não conheça huns tantos homens,
Principalmente os Crédores;
Talvez que o novel Gallego,
Que soltas bragas trazia,
Entaipado em pantalonas
Dê ao Amo senhoria;
Talvez que inventando heranças
Bisneto de grão Senhor,
A falso espectro agradeça
O que devo ao Protector;
Senhor, se o oiro tal póde;
Levantai da empreza a mão;
Antes réo do meu tendeiro,
Do que réo de ingratidão
Mas inda agora he que eu vejo,
Quanto me fui desmentindo;
Disse que vinha ralhar,
Por fim acho-me pedindo;
Não pude acabar a farça;
Costume custa a vencer;
Comvosco a minha linguagem
He pedir, e agradecer.