UM EVANGELHO
Sahi uma manhã mal vinha o sol rompendo,
E fui-me religioso a ouvir a missa ao campo,
Á vasta cathedral do mundo, aonde aprendo
Da Vida as sacras leis, que em letras d'ouro estampo.
Sentei-me sob um bosque estenso e solitario,
Que, em paz e sombra involto, á quietação me envida;
O accaso conduzira-me a um vasto santuario,
Onde ia celebrar-se a communhão da Vida!
Debaixo do docel da mûrmura floresta,
Se um culto universal é justo a Deus se vote:
Estava o templo augusto armado todo em festa,
Faltando unicamente agora o sacerdote!
O mundo em derredor aguardo-o co'anciedade...
E eil'o que chega, emfim, das bandas do oriente,
Surgindo como um Deus no azul da immensidade,
N'um carro triumphal, de raios resplendente!
Ao vel'o perpassou nas arvores sagradas
Um sopro mysterioso, o espirito do vento,
Que deixa-nos ouvir, em musicas toadas,
Psalmos que vão morrer no azul do firmamento!...
Nos multiplos florões das trémulas janellas,
Nos ramos mais subtis que a luz dos ceus colora,
Com magico fulgor scintillam, como estrellas,
Os limpidos crystaes das lagrimas d'aurora!
Nas naves, que sustêm a abbobada elevada,
Penetra triumphante a luz, suprema artifice!
Interprete de Deus, celebra a sua entrada
Com pompas, do Universo o maximo pontifice!
Assim que o sol sahio das brumas do horisonte,
A pedra, o musgo, o insecto, a flôr, os arvoredos,
Trocaram entre si mil intimos segredos!...
Os passaros gentis, aladas creaturas,
Soltaram festivaes Hossana nas alturas!...
O sol triumphador, do mundo a vida accorda,
E esplendido festeja o eterno _sursum corda_!...
Estava em plena festa a Terra, mãe querida!...
E eu, em face d'ella, a contemplar-lhe a Vida!...
Então a Luz, qual flôr, subtil e sorridente,
Me disse a mim que sou seu terno confidente:
Poeta! vês o mundo alegre e harmonioso;...
Em intimo convivio unido o sol á terra,
E a terra e o sol aos céus!... No enlace auspicioso,
Permutam entre si os bens que a Vida encerra!...
A vida é sim um Bem; por isso é dada a todos!...
A todos por egual, a infindas creaturas,...
Que, em multiplo labor, e por differentes modos,
Procuram-no attingir na terra, e nas alturas!...
Áquelle que transpõe as portas da existencia
Um vinculo d'amor protege-o logo, e fica
Ao mundo inteiro preso, em mutua dependencia,
Ah desde a larva obscura ao sol que a vivifica!..
Qualquer que seja o nome, ou chama-lhe Verdade,
Belleza, Amor, Justiça: é tudo a mesma cousa!...
É quem fecunda e rege os soes na immensidade;
Quem dá ao universo a paz em que repousa!...
Por isto o mundo inteiro é todo uma harmonia!...
E sente a reanimal'o uma alma alegre e sã!
E vens de longe aqui, sedento de poesia,
A namorar-me a mim, que sou a tua irmã!
Do Sol baixei aqui a ler-te os evangelhos
Eternos de Verdade, e a missa vae findar!
Meu crente e meu poeta! é a hora: de joelhos,
Em nome do Senhor, te quero abençoar!
Á sua voz curvando a fronte: em fé immerso,
Senti entrar-me n'alma a alma do universo!...
Irmã, gemea de minha, a luminosa flôr,
Encerra-se afinal n'esta palavra==Amor==!
Quinta da Beselga
1885.