AVÉ CREATOR!

      Desprende pelo espaço as azas d'ouro,
      Águia de Deus, no mundo extraviada!...
      Pela patria celeste, a tua amada,
                           Vae em busca de Deus,
      Cantando um hymno em honra do seu nome,
      Que meu querer e instincto insaciavel
      Te guiarão, qual bussola admiravel,
                           Pelos infindos ceus!

      Senhor! venho invocar teu nome augusto,
      Em face d'estes vastos horisontes!...
      Que em torno a mim o rio, a arvore, os montes,
                           Fallando-me de Ti,
      Lançam-me n'alma um teu olhar divino,
      E, com elle, um occeano de luz pura,
      Que me trasborda em ondas de ventura
                           O que eu t'offereço aqui!

      Não sob o tecto do sombrio templo,
      Que a fé christã do povo erguera outr'ora
      Como um tumulo, onde o homem commemora
                           A tua morte, oh Pae!...
      Mas sob o tecto azul do Templo Eterno,
      Perante o sol que passa dando a vida
      Em teu nome, que esta oração sentida
                           Buscar teu throno vae!

      Pois é--me triste a mim que as cousas brutas,
      Ellas, sem alma, em gratidão me vençam:
      E a Terra, emquanto o Sol lhe envia a bençam
                           Da sua eterna luz,
      Converte-a em flôres, canticos e fructos,
      E, n'um concerto alegre e harmonioso,
      Tributa ao Sol um culto tão piedoso,
                           Que o peito meu seduz!

      Tu vel'a, quando o Sol lhe affasta os raios
      Do seu formoso olhar durante o inverno,
      A amante debulhar-se em pranto eterno,
                           Das gallas se despir;
      Em valle e monte as folhas, com tristeza,
      Dos troncos com os ventos desprendendo-se,
      E o mar, co'os ceus em lucta contorcendo-se,
                           Raivoso aos ceus bramir!...

      Mas quando o Sol de novo a aquece e anima:
      Oh que effluvios d'amôr então contemplo!...
      Traz o amante a alleluia ao escuro templo,
                           E as trevas dão fulgôr;
      Espalma a folha o ramo resequido,
      E, ao som do mar que canta de mansinho,
      Da terra brota a flôr, da haste o ninho,
                           Do ninho surge o amor!

      Seja assim o meu peito! Que a minha alma,
      Buscando o foco eterno e resplendente
      Do Sol dos soes, o Ser Omnipotente:
                           Me eleve o coração
      A trasbordar torrentes de harmonias,
      Que entoem pela voz das creaturas:
      Santo! Santo! tres vezes nas alturas,
                           Ao Deus da creacão!

      Pois eu que sou o espirito das cousas,
      O verbo inspirador, a alma, a vida;
      Sinto em meu peito a gratidão devida
                           Á tua mão que attrae
      Em giro eterno os mundos do Universo;
      E eu vendo orar ao Sol a flôr n'o matto,
      Não hei de só ficar injusto e ingrato
                           Para comtigo, oh Pae!

      Seja pois o meu canto a voz do interprete,
      Que moldando nas formas da palavra
      A vida universal que em tudo lavra
                           Co'o sopro animador:
      Eu possa vêr a Terra envolta em canticos,
      Sobre as azas de luz da alma humana,
      Remontar-se ás origens d'onde emana,
                           As tuas mãos, Senhor!

Quinta da Beselga

1871.

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