SURSUM CORDA!
Oh Sol, alma do mundo! esplendido portento
D'um mar feito da luz! vulcão, cuja fornalha,
Por entre um fogo eterno, expande o movimento
Da machina febril do mundo que trabalha!
E tu, Astro do amor, que, em noite silenciosa,
Qual perola engastada em fulgidos brilhantes,
Derramas tua luz serena e voluptuosa
Nos seios virginaes das timidas amantes:
C'o os vossos esplendores,
Pela amplidão dos ceus,
Cantae altos louvores
Ao espirito de Deus!
E tu, mar rugidor! austero cenobita,
Que em vastas solidões gemendo os teus pesares,
Levantas o teu canto á abbobada infinita,
Juntando a vóz piedosa aos céllicos cantares!
E vós, filhas do ermo, alegres, crystalinas
Fontes que derivaes das fendas dos rochedos,
Ás flôres murmurando, em musicas divinas,
De amor e de ventura uns intimos segredos:
Mudae as harmonias
Da vossa eterna vóz
Em ternas homilias
Ao pae de todos nós!
Arvores que fluctuaes nos cimos das montanhas,
Altivas demandando o azul do firmamento;
Que encheis as solidões de musicas estranhas,
Se passa sobre vós o espirito do vento!
Lyrios, que abrindo o seio ao osculo amoroso
Da luz que envia o sol da abbobada azulada,
Mandaes-lhe o vosso olor no ether luminoso,
Como o habito subtil d'uma alma enamorada:
A musica e o perfume
Que desprendeis, votae
A quem em si resume
O mundo inteiro e é Pae!
Oh rabidos leões! lá quando em vossas festas,
Altivos como os reis, indomitos senhores,
Debaixo do docel das mûrmuras florestas,
Rugis como um trovão os fervidos amores!
E vós, corças gentis e timidos cordeiros,
Que em vossos corações e almas bem formadas,
Ao sangue preferis a lympha dos ribeiros,
E á carne em podridão as hervas perfumadas:
Louvae a quem fizera,
Co'o mesmo engenho e amor,
As fauces d'uma fera,
E o calice d'uma flôr!
Arvores, flôres, mar, e estrellas, e animaes,
E todos vós que entraes no giro da existência;
Que haveis nas regiões das cousas immortaes,
Por synthese suprema, a _luz da consciencia_:
Unindo-vos a mim, como eu á Humanidade,
Louvemos todos nós n'uma oração sentida,
Em côro festival que attinja a immensidade,
O eterno Sol dos Soes, o sabio Author da Vida!
Cantemos, creaturas!
Pela amplidão dos ceus,
Hossana nas alturas
Ao espirito de Deus!
Carvalhaes, 1886.