AO HOMEM
Segundo as tradicções que vão sumir-se
Na noite secular das priscas eras:
Rugiram contra ti, Homem, as feras,
E as coleras do mar;
Dos ceus revoltos os trovões e os raios;
Qual reprobo vivias no universo
Inerme, nu e só, na sombra immerso,
Sem Deus, sem luz, sem lar!...
Apoz infindos seculos de lucta
Co'as forças implacaveis da materia,
Soffrendo, em toda a escala da miseria,
O frio, a fome, a dôr:
Venceste, e oppões ás lugubres cavernas,
Á escura habitação dos trogloditas,
Os fulgidos palacios onde habitas,
Conscio do teu valor!...
Imperios contra ti ergueram despotas,
Quaes moles collossaes architectadas,
Assentes no prestigio das espadas,
Nas mãos d'um Pharaó,
D'um habil Julio Cesar; mas as moles,
Minadas pela acção do povo obscuro,
Cahiram como cae um fragil muro
No chão desfeito em pó!...
No intuito de livrar teu grande espirito
Dos vinculos do mal e enobrecel-o,
Tomas-te a Jesus Christo por modelo
Das tuas concepções;
D'accordo a espada e a cruz, a lei e o dogma,
De ti fizeram novamente escravo,
Mas tu, inda outra vez, altivo e bravo,
Partiste os teus grilhões!...
Por ultimo lançando mão das forças
Da Terra tua mãe, das leis da Historia:
Apenas em tres seculos de gloria,
Com mil prodigios teus,
Mudas-te totalmente a face ao mundo,
E propões-te a fazer o mesmo á alma,
Porque esta, resplendente, justa e calma,
Triumphe á luz dos céus!
Forjou a mão de Deus no sol teus raios!...
D'ahi todo o esplendor, todo o prestigio
Do teu almo poder! o grão prodigio
Das tuas concepções,
Que em marmore e crystal, em prata e ouro,
E em tellas formossissimas, transmittes
De mão em mão, sem conta, e sem limites,
Ás novas gerações!...
Na terra, erma de Luz, Homem surgiste,
Trazendo no teu rubro sangue a Ideia,
A luz que doma o fogo, o apaga, o atêa,
E o faz descer do céu
Humilde como um cão!... Poder terrivel,
Que Jupiter temeu, quando, iracundo,
Mandou prender, por dar exemplo ao mundo,
Na rocha a Prometteu!...
D'ahi a mola occulta, a força ingenita,
A causa porque tu, no ardor da guerra,
Revolves sem cessar o céu, a terra,
A alma e o coração,
E fazes e desfazes, sem descanço,
Systemas, religiões, philosophias;
Depões a Deuses, reis e tiranias,
Em nome da Rasão!...
Por veres quem tu és e quanto vales:
Das proprias obras faze o claro espelho,
E escreve em face dellas o evangelho
Da nova religião,
O authentico, o real, o verdadeiro;
Que em vez do degradado filho d'Eva,
Com ligitimo orgulho a Deus eleva
Tua alma e coração!
Senhor das energias infinitas
Do mundo, com que Deus teu pae reforça
Teu multiplo poder: expulsa a força
Que os despotas produz;
Levanta novamente altar e templos
Ao Bello, ao Justo, ao Bem, á Sapiencia,
Afim de que na Terra a Consciencia
Impere em plena luz!
Em vez de Força, Amôr rege hoje o mundo!...
E Amôr, se toma as normas da Justiça,
Fará com que, empenhando-te na liça
D'um ideal melhor:
Floresçam sobre a Terra, em prol de todos,
Honrando a Deus, servindo a Humanidade,
Os sonhos de pureza e de bondade
De Christo, o Redemptor!...
Terás no espaço os soes por companheiros,
Comtigo permuttando noite e dia,
Na sua eterna e placida harmonia,
Os mil problemas seus!...
D'accordo Deus e a alma, o ceu e a terra:
Verás com resplendor a tua Ideia,
Chamando-a á vida, em tudo onde campeã
O espirito de Deus!
1892.