AO MAR!
Senhor! eu canto o mar, que no psalterio
D'esses orbes de luz que além se avista,
Com a vóz d'um tristissimo psalmista
Teu nome ousa louvar no espaço ethereo!
Canto o apostolo, o mestre da Verdade,
Que, aprendendo de ti altos segredos:
Contra os negros tyrannos dos rochedos
Vae prégando o sermão da Liberdade!
Ah cuja grande vóz, d'além do abysmo,
Apraz-me ouvir por noite tenebrosa
Imponente crescer, bramir raivosa
D'encontro á rocha onde eu medito e scismo!
Eil'o sempre n'aquelle arfar profundo,
Em lucta collossal, guerra infinita,
Contra o sopro do ceu que eterno o agita,
Desde o dia em que Deus o trouxe ao mundo!
Se tudo quanto ahi á luz se cria,
Tudo trabalha mas descança e dorme,
Porque anda sempre oh mar, teu seio enorme
N'essa lucta cruel de noite e dia?!
Em ancia egual só tenho a comparar-te
Á marcha d'esses mundos que o Senhor
Tornou em corações do seu amor,
Para a vida accordar por toda a parte!
Tu és o irmão dos astros; és da Terra
O immenso coração profundo e triste,
Que eterno off'rece a vida a quanto existe,
Co'o auxilio do Sol, que tudo encerra!...
Ah muito seja embora o desgraçado,
Muita a miseria occulta n'esse abysmo,
Desde as scenas do horrivel cataclysmo,
De que resam as biblias do Passado:
Eu vejo em ti o pae dos pobresinhos,
A quem nada deixando as leis avaras,
Tornas-te-lhes os peixes em cearas,
Para matar a fome a seus filhinhos!...
O eterno confidente de infelizes,
De quem pareces ser tão grato espelho,
Que servindo para elles d'evangelho,
Eu não sei que palavras tu lhes dizes,
Que fico ahi por tempos esquecidos,
Tão preso a escutar-te a voz das aguas,
Que obtenho acalmar a dôr ás magoas
E adormecer meus males tão compridos!...
Oh! mar! oh! mar! quando eu a sós medito
Nas rochas sobre os pincaros calado,
Recorda o teu rumor cadenceado
Um pendulo suspenso no infinito!...
Harpa de Deus exposta aos quatro ventos,
Onde o sopro, que a vaga á vaga impelle,
Descanta harmonioso um hymno Áquelle,
Que a terra e os ceus encheu de mil portentos!...
Quer a colera accesa da tormenta
Te divida em terriveis multidões
De tigres, de pantheras, de leões,
Rugindo em cada vaga que rebenta;
Quer ouça pelas algas verde negras,
E as praias solitarias onde eu choro...
Cantar o teu amor em vasto côro
De rolas, rouxinoes ou toutinegras:
Ou fera ou pomba, egual amor me atêa
O teu gentil amor e altivo orgulho,
Quando este arroja á praia o pedregulho,
E aquelle as lindas conchas lhe semeia!...
És sempre o mesmo! És sempre o grande amigo,
Sobre cuja espantosa immensidade
Vejo passar o sopro da Verdade,
Da doutrina de Deus, que adoro e sigo!
Buarcos, 1869.