ÁS NUVENS
Vapores que em vistosos cortinados
Armaes dos ceus o templo de safira
Com purpura e finissimos broxados,
Sêde hoje o assumpto para a vóz da lyra!
Que eu quero ter a intima certeza
Que, antes da hora da fatal partida,
A minha alma no mundo fica preza
Ás coisas bellas que adorei na vida...
Horas felizes que ainda hoje eu passo,
Pelas tardes calmosas do verão,
Seguindo-as uma a uma pelo espaço,
Dizei ás nuvens se eu as amo ou não!...
Eu que vou pelo mundo imaginando
Visões sobre visões, sempre illusorias:
Comprazo-me em vos vêr de quando em quando,
Fórmas aereas, sombras transitorias!...
Vós que nas tardes e manhãs amenas,
Passando como timidas deidades,
Deixaes os ceus juncados d'açucenas,
D'alvos jasmins e rôxas saudades;
Vós que andaes presurosas, fugitivas,
Os ceus cruzando n'um lidar constante:
Sorris-me como as multiplas missivas
Que envia ao Sol a Terra sua amante!...
Imagens lindas d'um amor jocundo,
E espectros negros d'intimos rancores,
Do grande coração que agita o mundo,
O mar, que tem como eu paixões e amores!...
Á tarde quando o Sol, cratera ardente,
Vae prestes a apagar-se e, em desafago,
Inflamma as grandes portas do Occidente
E faz da terra e ceus um mar de fogo:
Ah! deixo os olhos espraiando a vista
Pelos paineis de mil preciosidades,
Aonde desenhaes, com mãos d'artista,
Em telas d'ouro olympicas cidades!...
E agora são rochedos e campinas!...
Fulvos leões e timidas gazellas!...
E logo apoz castellos em ruinas,
Visões d'amor, phantasticas donzellas!...
Umas vezes são guerras estrondosas,
Luctas crueis d'impavidos gigantes,
Onde ha rios de sangue e pavorosas
Sombras de heroes, e incendios fumegantes!...
E outras vezes, então, nuvens ligeiras,
Convertei-vos em lyrios e violetas,
Em acacias floridas e palmeiras,
E em vultos de Romeus e Julietas!...
E eu amo a nuvem negra que imponente
Abre nos ceus a fulgida garganta,
E vomita do seio o raio ardente,
E com elle o trovão que o mundo espanta,...
E a pudibunda nuvem d'alvorada
Quando, ante o Sol esplendido que assoma,
Parece virgem pura e delicada,
Branca de neve com dourada coma!...
Oh nuvens que passaes no firmamento,
Bandos aereos d'illusões perfeitas!...
Vós que tão lindas sois, e n'um momento,
No chão cahis em lagrimas desfeitas!
Quando vos vejo pelo azul profundo,
Voluptuosas, gentis e transparentes:
Lembraes-me os sonhos que lancei ao mundo,
Como um bando de pombas innocentes!...
Bem mais felizes vós, que, n'um momento,
Passando aereo fumo em valle e serra,
Levaes comvosco, a vida, o movimento
De quanto nasce e vive sobre a terra!...
Já não assim meus sonhos, muito embora
Levem comsigo as novas do futuro:
São nuvens bellas d'esplendente aurora,
Desfeitas sobre um chão ingrato e duro!...
Carvalhaes, 1873.