ÁS FLORES

Eu venho-vos cantar, mimosas flôres,
      A vós irmãs da luz, gentis e bellas,
      Do chão que piso vívidas estrellas,
      Com mil perfumes, mil viçosas côres!

      Á vossa encantadora companhia,
      Toda cheia de graça e de candura,
      Eu devo em parte a luz serena e pura
      Do amor, que meu espirito allumia!...

      Cercando-me dos vossos esplendores,
      Nos quaes eu pasto dia e noite a vista,
      Consigo converter meu lar d'artista
      N'um Louvre de riquissimos lavores

      Em porphirio, alabastro, em prata e oiro,
      E em fulgidos setins!... Primores d'arte,
      Por onde o Artista Maximo reparte
      Co'os olhos meus bellissimo thesouro!...

      Entre nós não ha festas verdadeiras,
      No templo, no palacio ou na choupana,
      Que em todo o grão matiz da vida humana,
      Prescindam de vos ter por companheiras!...

      Ninguem na Terra vos disputa a palma
      D'expor, com fidelissima justeza
      De côr e fórma, cheias de belleza,
      Os varios sentimentos da nossa alma!...

      A timida donzella, ingenua e pura,
      Temendo-se dos bens que ella imagina,
      Nas petalas da candida bonina
      Procura lêr seus sonhos de ventura!...

      Com finas mãos, as pallidas Ophelias,
      Por darem mais realce aos fios d'ouro
      Das bastas tranças: seu cabello louro
      Adornam com alvissimas camellias!

      Afim de se dizer á bem amada
      Do intenso amor o rapido delirio:
      Da rosa pudibunda ou branco lyrio
      Se faz missiva pura e perfumada!...

      Os tristes na viuvez, e na orfandade,
      Roidos por uma intima amargura:
      Desfolham na chorada sepultura,
      As petalas do lyrio e da saudade!...

      Eu mesmo, que do publico debando;
      Dos mortos devorciado, e alheio aos vivos:
      Se vejo d'entre sonhos fugitivos,
      Abrirem-se-me os ceus de quando em quando;

      Suppondo em vida os povos numerosos,
      Unindo-se em espirito e verdade,
      Viverem ante Deus e a Humanidade,
      Como irmãos, solidarios, venturosos;

      E encontro, em torno ás candidas chimeras,
      Crueis dissilusões por toda a parte:
      Em guerra os homens, a virtude e a arte
      Sem o fogo sagrado d'outras eras...

      Oh minhas flôres! viva embora eu triste,
      Que as vossas serenissimas imagens
      Conseguem libertar-me das voragens
      Com quanto bello na minha alma existe!...

      Ah quando caio e vejo das miserias
      Cavar-se aos pés um sorvedoro infindo:
      Seguindo as esperiaes d'um sonho lindo,
      Por vós remonto ás regiões ethereas!...

      Em horas de fraqueza, horas mofinas,
      Se eu ouso vos fitar, sinto na face
      Um subito rubor, qual se me olhasse
      Deus Pae, sob essas formas peregrinas!...

      Urnas santas, a mim que deposito
      No vosso olôr subtil e perfumado
      As scenas mais gentis do meu passado,
      Perdidas para sempre no infinito!...

      Deixae que em testemunho da verdade:
      Do muito que vos quiz e amei na vida,
      Como echo da minha alma agradecida,
      Meu canto o atteste á luz da eternidade!...

Carvalhaes, 1870.

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