AOS ASTROS!

Quando ergo á noite os olhos scismadores
      Á cupula do ceu, cheia de mundos,
      E perco-me nos páramos profundos
      D'um mar sem fim de tremulos fulgores:

      O ceu, qual templo levantado á Vida,
      Armado de riquissimo thesouro,
      De par em par descerra as portas d'ouro,
      E attrae a si minha alma embevecida!...

      Chovem-me então das cellicas alturas,
      Das luminosas, candidas estrellas,
      Visões sublimes, ideaes e bellas
      Da Causa que deu o ser ás creaturas!...

      Amor as fez, Amor no espaço as guia!...
      E é sob o influxo d'esta Lei Suprema,
      Que cada qual realisa o seu problema,
      Preso ao das mais em intima harmonia!...

      Sim, cada estrella, vêmol'o sem custo,
      Sendo dos ceus bellissimo ornamento,
      É um centro de vida e movimento
      Posto ao serviço d'um principio justo!...

      Por todo o ethereo azul da immensidade,
      Dos soes sem fim a fulgida colmeia,
      Trabalha em traduzir, na humana ideia,
      De Deus a perfeição, toda bondade!...

      Oh cupula celeste, no teu seio
      Aprendo a ler em paginas de fogo
      O espirito das coisas que interrogo
      Por toda a parte, e em cuja essencia creio!...

      Tu, co'o teu docel azul sem fundo,
      Cheio de fogos d'alma claridade,
      Em multipla e febril actividade;
      Sorris-me como a fabrica do mundo;

      O vasto pavilhão onde é servida
      Em mesas d'ouro, festivaes e bellas,
      N'esses milhões de esplendidas estrellas,
      A eterna comunhão dos Bens da Vida!...

      Permitte, pois, que em sã fraternidade,
      Reunindo os habitantes d'esta esphera
      Aos que ha em ti, minha alma, sã e austera,
      Saúde a mãe commum==a Humanidade==;

      E adore, á luz dos fachos sempre novos,
      Do teu santuario, o espirito fecundo
      De Deus, Supremo Bem, que ampara o mundo,
      Inspira as almas e dirige os Povos!...

      E emquanto a vida vae em seu caminho,
      Por entre o dia claro e a noite escura,
      Conserva intacta esta alma crente e pura,
      Porque possa voltar ao patrio ninho!...

      Á luz da minha critica profana,
      A Lei Suprema, que de Deus deriva,
      Eleva aos soes, em marcha progressiva,
      De virtude em virtude a alma humana!...

      Se duvidas tivesse, a fé e a esperança
      Levavam em contrario a vida minha,
      E a bussola, que ignora onde caminha,
      Segue o seu norte e d'elle emfim descança!...

      Astros sem fim, oh soes que estaes por cima,
      Longe da Terra, em região mais pura!
      Deixae que o corpo desça á sepultura
      E a vós se eleve o espirito que o anima!

      O irmão da Luz, o amante da Verdade,
      Hade ir, deixando o envolucro que veste
      Como hospede da abbobada celeste,
      Internar-se feliz na immensidade!...

      Astros! egual é a lei que nos governa!
      Na Terra, o nosso espirito fecundo
      Penetra nos reconditos do mundo,
      E vive como vós a Vida Eterna!

Beselga, 1872.
 

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