Buena dicha

 
Buena-dicha

Anoitece... e o luar já vem banhar-me a alma
Em lânguido torpor, compor aos ventos...
Suspiros d’alma, em versos engenhosos
Ah por que me enveredei por triste sina?
Por que me meti nesta oficina?
Neste universo onde avultam as tristes liras
Aos céus ascendem... acendem as piras.

Quiçá ouvissem meus lamentos!
Mas donde viria tal alvitre?
Encetada a triste senda inda menino,
Quando pelas Letras tomei gosto.

A quem do Panteão, a triste glória eu deveria
Acaso ao poeta de Tabacaria?
Ou seria a Dante, porventura?
Oh! Que lúgubre ventura!

Será Bilac em seu fulgor na via láctea?
Aspergindo-me, quem sabe...
Celestes gotas, em suaves versos,
Em minhas soturnas páginas.

Mas donde vem esse ânimo pungente?
Será do Bardo Nacional?
Emanações flutuantes, revoltas, quem sabe...
Espumas que flutuam ao mar azul...

A servil inspiração,
Da Lusitana Alma, quem sabe, sobrevém.
Tal um Adamastor...
Onde o Deus-Poeta atinge a glória.

Oh! Quem sabe! Um Goethe abençoado!
Victor Hugo, iluminado!
Oh! Isso é pura empáfia!
Não me queiram tanto!
São deuses do Parnaso no púlpito sagrado!

No que me cabe a modéstia,
Sou pequenino, não logro os louros,
Tão somente escrevo ao léu...
A fazer da vida, veleidades.
Dos sonhos, desilusões...
Da fantasia, meias verdades
Da quimera, as canções.

Oh! Quê triste enlevo!
Engajado na arte de compor.
Este dom que vem de berço.
E arrojei-me nesta faina...
À flama ardente que consome,
Onde cantam as harpas de Sião.
Suspiram lírios... aspiram louros!

Donde vem este dom n’alma latente?
Arrebatada em fúlgidos lauréis...
Será influência de Byron?
Em suas horas de indolências?
Oh! Quê buena-dicha!

Na mocidade, debruçado sobre os clássicos,
Minhas noites foram sóis que n’alma abrasa
Num êxtase sombrio que me arrasa,
A compor tais versos inflamados.
Mas donde vem a poesia que me arde à fronte?
Talvez a Plêiade, que emana, seja a fonte...
De luz que irradia, em minha'lma arredia.

Donde vem a influência tão fecunda?
Seria inspiração machadiana?
Ou das lendas e narrativas de Herculano?
Ou seria de Casimiro de Abreu...
Cuja morte tão cedo o colheu.
Quê lirismo atormentado!

Oh! Quê triste sorte!
Por que me enredei nesta proeza?
N’aura poética, tão moço, seduzido...
Em versos recitados nos bancos escolares,
Da meninice a brincar nas enxurradas...
Dos desafetos e das mágoas orvalhadas,
Do meditar às ave-marias...

Desilusões amorosas, tão cruéis...
A visita da melancolia, vez por outra,
Sobre a cabeça um corvo, rude, a voejar.
Saudade, minha primeira musa.
Madrugadas insones.
E a solidão, um canto esganiçado,
Tal uma ave engaiolada,
Num agonizante ruflar de asas.
Oh! Quê triste sorte!

Poema publicado no livro "A Passagem dos Cometas", pág. 125. Registro ISBN 978-85-913565-0-8
* Edir Araujo, poeta e escritor independente, autor dos livros "A Passagem dos Cometas" (romance psicológico), "Gritos e Gemidos" (coletânea de poemas, crônicas e resenhas) e "Fulana" (inédito).

 

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