a poesia mitigou os dramas da minha adolescência: os desenlaces severos que expiei feitos de tormentos e de reclusões; as farpas cravadas na minha ingenuidade através do jeito trocista de pessoas que conheci.

reúno em livro dissertações poéticas para que a evolução das minhas utopias seja indelével e fundamentada; para que eu me possa isolar das controvérsias que me torneiam; para que eu possa colorir os semblantes melancólicos das pessoas.

a poesia outorga vocábulos que pelejam contra o que é feio ou cruel: porque o que transborda desses vocábulos é uma agudeza que se prolonga para além da literatura: porque essa agudeza redunda num tropel de veracidades que se engasta na mente humana.

submergi a minha juventude empurrado pelos vícios e pelas leviandades: a minha vontade desfaleceu com a progressão tétrica da minha existência; o meu juízo deteriorou-se nos lugares conspurcados onde perdurei.

Anoiteceu.
Fundações ruem e defesas quebram,
As vozes calam em coro organizado
E os espelhos da alma não mais refletem.

As horas cerradas invocam criaturas
Dos confins do mundo e do pensamento
Para uma macabra festa de dança
De melancolia e vontades desoladas.

Anoiteceu.
Se tudo já ardeu e carvão resta apenas,
Não nos sobra senão a chuva penosa
Que roga pelo coração dos sofridos.

quis transpor os meus erros para onde pudesse desdobrar os balanços da vida que consumi; que gravei nos meus versos onde ecoou a maturidade com os seus impactos benignos; com as balizas da minha temperança vigente.

os meus ideais foram corroídos pela perversidade que há entre os homens, pelas clamorosas imposturas que eles engendram para obterem o seu sustento, pelas brigas que eles promovem para firmarem as suas ilícitas ambições.

circulo na rota da virtude para me desviar dos trilhos funestos; dos extravagantes comportamentos que transbordaram dos meus sonhos reprimidos; dos meus intentos malogrados no comércio arrepiante dos afetos.

a astúcia dos homens ultrapassa o suportável para poder vampirizar a inocência: porque ela alardeia uma grande verbosidade para operar as suas malévolas empreitadas; porque ela expõe intentos descabidos para conseguir os seus objetivos fraudulentos.

o sonho de derramar a esperança sobre as vísceras do universo; de expandir os tentáculos da paz até ao âmago das inflamadas controvérsias; de beber o suco da reconciliação nos prados oníricos onde habitará a humanidade.