Á HORA DO SILENCIO
Eu quiz hontem sonhar, sentir como um romantico
A doce embriaguez do pallido luar,
Ouvindo em pleno azul passar o immenso cantico
Dos astros no seu giro e em sua luta o mar!
A cidade dormia o somno dos devassos;
Aquelle somno turvo, infecto e sensual:
E a lua, antiga fada, erguia nos espaços
Tranquilla e sempre ingenua a fronte de vestal!
E sobre a quietação das coisas vis e exoticas
Sentiam-se as febrís, crueis respirações,
Dos tristes hospitaes e das virgens clorothicas,
Dos amantes fataes da febre e das paixões!
A noite era em silencio, a athmosphera doce
E ria a natureza aos beijos d'um bom Deus.
De subito escutei, ao longe, o quer que fosse
D'um canto que suppuz então baixar dos céos!
Attento ao vago som, porém, a pouco e pouco
Senti que era uma voz disforme e sensual,
Soltando uma canção n'aquelle accento rouco
Da triste inspiração alcoolica e brutal!...
Ó terna vagabunda, enamorada lua!
Emquanto ias assim, diaphana e sem véo,
Uma triste mulher passava, então, na rua
Cuspindo uma porção d'infamias para o céo!