Á LISBOA DAS NÁUS CHEIA DE GLORIA

I

    Lisboa á beira-mar, cheia de vistas,
    Ó Lisboa das meigas Procissões!
    Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
    Ó Lisboa dos lyricos pregões...
    Lisboa com o Tejo das Conquistas,
    Mais os ossos provaveis de Camões!
    Ó Lisboa de marmore, Lisboa!
    Quem nunca te viu, não viu coisa boa...

II

    És tu a mesma de que falla a Historia?
    Eu quero ver-te, aonde é que estás, aonde?
    Não sei quem és, perdi-te de memoria,
    Dize-me, aonde é que o teu perfil se esconde?
    Ó Lisboa das Naus, cheia de gloria,
    Ó Lisboa das Chronicas, responde!
    E carregadas vinham almadias
    Com noz, pimenta e mais especiarias...

III

    Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
    A Lisboa dos Poetas Cavalleiros!
    Galeras doidas por soltar a amarra,
    Cidade de morenos marinheiros,
    Com navios entrando e saindo a barra
    De prôa para paizes extrangeiros!
    Uns p'ra França, acenando Adeus! Adeus!
    Outros p'r'as Indias, outros... sabe-o Deus!

IV

    Ó Lisboa das ruas mysteriozas!
    Da _Triste Feia_, de _João de Deus_,
    _Becco da India_, _Rua das Fermosas_,
    _Becco do Falla-Só_ (os versos meus...)
    E outra rua que eu sei de duas _Rozas_,
    _Becco do Imaginario_, dos _Judeus_,
    _Travessa_ (julgo eu) _das Izabeis_,
    E outras mais que eu ignoro e vós sabeis.

V

    Meiga Lisboa, mystica cidade!
    (Ao longe o sonho desse mar sem fim.)
    Que pena faz morrer na mocidade!
    Teus sinos, breve, dobrarão por mim.
    Mandae meu corpo em grande velocidade,
    Mandae meu corpo p'ra Lisboa, sim?
    Quando eu morrer (porque isto pouco dura)
    Meus Irmãos, dae-me alli a sepultura!

VI

    Luar de Lisboa! aonde o ha egual no Mundo?
    Lembra leite a escorrer de tetas nuas!
    Luar assim tão meigo, tão profundo,
    Como a cair d'um céo cheio de luas!
    Não deixo de o beber nem um segundo,
    Mal o vejo apontar por essas ruas...
    Pregoeiro gentil lá grita a espaços:
    «Vae alta a lua!» de Soares de Passos.

VII

    Formoza Cintra, onde, alto, as aguias pairam,
    Cintra das solidões! beijo da Terra!
    Cintra dos noivos, que ao luar desvairam,
    Que vão fazer o seu ninho na serra;
    Cintra do Mar! Cintra de Lord Byron,
    Meu nobre camarada de Inglaterra!
    Cintra dos Moiros com os seus adarves,
    E, ao longe, em frente, o Reyno dos Algarves!

VIII

    Romantica Lisboa de Garrett!
    Ó Garrett adorado das mulheres,
    Hei-de ir deixar-te, em breve, o meu bilhete
    Á tua linda caza dos _Prazeres_.
    Mas qual seria a melhor hora, ás sete,
    Garrett, para tu me receberes?
    O teu porteiro disse-me, a sorrir,
    Que tu passas os dias a dormir...

IX

    Pois tenho pena, amigo, tenho pena;
    Levanta-te d'ahi, meu dorminhoco!
    Que falta fazes á Lisboa amena!
    Anda vêr Portugal! parece louco...
    Que patria grande! como está pequena!
    E tu dormindo sempre ahi no «choco».
    Ah! como tu, dorme tambem a Arte...
    Pois vou-me aos toiros, que o comboio parte!

X

    Ó Lisboa vermelha das toiradas!
    Nadam no Ar amores e alegrias.
    Vêde os Capinhas, os gentis Espadas,
    Cavalleiros, fazendo cortezias...
    Que graça ingenua! farpas enfeitadas!
    O Povo, ao Sol, cheirando ás marezias!
    Vêde a alegria que lhe vae nas almas!
    Vêde a branca Rainha, dando palmas!

XI

    Ó suaves mulheres do meu desejo,
    Com mãos tão brancas feitas p'ra caricias!
    Ondinas dos Galeões! Nymphas do Tejo!
    Animaeszinhos cheios de delicias...
    Vosso passado quão longiquo o vejo!
    Vós sois Arabes, Celtas e Phenicias!
    Lisboa das Varinas e Marquezas...
    Que bonitas que são as Portuguezas!

XII

    Senhoras! ainda sou menino e moço,
    Mas amores não tenho nem carinhos!
    Vida tão triste supportar não posso:
    Vós que ides á novena, aos _Inglezinhos_.
    Senhoras, rezai por mim um Padre Nosso,
    N'essa voz que tem beijos e é de arminhos.
    Rezae por mim, vereis,--vossos peccados,
    (Se acaso os tendes), vos serão perdoados...

XIII

    Rezae, rezae, Senhoras por aquelle
    Que no Mundo soffreu todas as dores!
    Odios, traições, torturas,--que sabe elle!
    Perigos de agoa, e ferro e fogo, horrores!
    E que, hoje, aqui está, só osso e pelle,
    A espera que o enterrem entre as flores...
    Ouvi: estão os sinos a tocar:
    Senhoras de Lisboa! ide rezar.

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