Á MORTE
Autor: Soares de Passos on Wednesday, 5 December 2012
DO MEU AMIGO LICINIO F. C. DE CARVALHO Morreste, amigo, partiste D'esta mansão passageira! Bem depressa da carreira Tocaste a méta fatal! Com a folhagem dos bosques Gelou-te o vento do outomno, E dormes o longo somno Do teu leito sepulchral! Já tua mão extremosa Não aperta a mão do amigo Que tantas vezes comtigo Em sonhos vãos delirou. No seio da fria terra Já não me escutas nem fallas, Contando lutos ou galas Do teu viver que passou. Oh! quantas vezes, immersos N'esses intimos enleios, Que fazem um de dous seios, Sentimos horas fugir! Quantas, sonhando horisontes De poesia, amor, ou gloria, N'uma expansão transitoria Creamos longo porvir! E morto jazes, ai! morto, Sem poder de teus anhelos Realisar os sonhos bellos, Cruzar a vasta amplidão?! Morto sem ter dito ao mundo A palavra augusta e sancta Que a turba anciosa espanta, E que é do genio o condão?! Morto á luz da tua aurora Sem que á luz da tua sesta Podésses, na hora funesta, Sorrir ao passado teu?! Morto, ai, morto sem ter ganho Mais lagrimas de saudade, Tão doces á soledade D'aquelle que já morreu?! Deus! se a vida é campo ameno Onde se vem colher flôres, Porque, do sol aos fulgores, Não se hão de as flôres colher? Se é deserto ingrato e rude, Onde não brota uma fonte, Porque ha de em nosso horisonte A luz do dia nascer? Mas dorme, descança, amigo, Que a vida é o deserto ás vezes... Estrada de mil revezes, E de voragens fataes... E que é o poeta? o viajante Que fere os pés nos abrolhos, Em quanto levanta os olhos Ás regiões divinaes. Ave estrangeira que passa N'este clima procelloso, Com seu canto mavioso Levando as turbas d'apóz; Mas que chora de saudade Por sua patria querida, Té que a final abatida Cahe sem alento, e sem voz. Descança! no frio leito De teu eterno repouso, Não te irá o sol formoso Cada manhã despertar; Mas tambem, da aurora á noite, Não calcarás os espinhos Que em teus agrestes caminhos Verias da flôr a par. Lá não irão festejar-te Ruidosos echos do mundo, Que dizem, no som profundo, Qual é do genio o poder; Mas tambem tuas corôas Não regarás com teu pranto, Nem a inveja em negro manto Tua estrella ha de envolver. Descança! que digo! surge! Ergue-te á luz, ó poeta, E revôa aonde inquieta Te levava a inspiração! Sonhaste mundos brilhantes, Sonhaste amor e poesia: No paiz do eterno dia Vae colher teu galardão! Vae! das plagas do desterro Eis-te a final resgatado: Procura regenerado A patria que te sorri! Lá terás as harmonias Que soltam milhões d'espheras, E florentes primaveras Quaes não terias aqui. Lá gosa! lá, sacudido Sobre a terra o terreo manto, Desprende teu novo canto De novos soes ao fulgor! E, se lá póde chegar-te Esta nota de saudade, Escuta a voz da amizade Entre os mil hymnos do amor!
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