Á PATRIA
Autor: Soares de Passos on Wednesday, 14 November 2012
AO MEU AMIGO A. C. LOUSADA (1852) Esta é a ditosa patria minha amada. Camões--_Lus._ «Esta é a ditosa patria minha amada!» Este o jardim de matizadas flôres, Onde os céos com a terra abençoada Rivalisam nas galas e primores. Este o paiz das tradições brilhantes, Onde cresceu a palma da victoria, Onde o mar conta ás praias sussurrantes Longinquos feitos d'extremada gloria. Esta a nação de laureada frente, Esta a ditosa patria minha amada! Ditosa e grande quando foi potente, Hoje abatida, sem poder, sem nada. Patria minha, que tens, que em desalento Vergas a fronte que alterosa erguias? Porque fitas o gélido moimento, Perdida a força dos antigos dias? Que fizeste do genio destemido Com que domavas esse mar profundo, E sorrias das vagas ao rugido, Ignotas praias descobrindo ao mundo? Onde está esse vasto capitolio De tuas glorias, o soberbo oriente, Lá onde erguida em triumphante solio Empunhavas teu sceptro refulgente? Então eras tu grande! os reis da terra Derramavam-te aos pés os seus thesouros; O mar saudando teus pendões de guerra, Gemia ao pêso de teus verdes louros. Então de lanças e d'heroes cercada, Avassallando a India e a Africa ardente, A cada golpe da valente espada Mais uma palma te adornava a frente. Então prostradas mil hostis phalanges, Retumbava o fragor de teus combates Desde as praias de Ceuta além do Ganges, Fazendo estremecer o Nilo e Euphrates. Então eras tu grande! hoje esquecida, Um ecco apenas de teu nome sôa; Nos braços da victoria adormecida, Perdeste o sceptro e a magestosa c'rôa. Os fortes pulsos entregaste aos laços Da tyrannia e rude fanatismo, E descahidos os potentes braços, Caminhaste sem forças ao abysmo. Um livro apenas te ficou, ó triste, Por epitaphio da passada gloria; Tudo o mais acabou, já nada existe De tanto resplendor, mais que a memoria. Das quinas os pendões já não revoam, Aguias altivas, sujeitando os mares; Teus gritos de victoria, ai! já não soam Na Lybia e nos gangeticos palmares. Nações obscuras quando o mundo inteiro Já tuas glorias aprendido tinha, Vendo apagado teu ardor guerreiro, Arrancaram teu manto de rainha. E repartindo entre ellas seus pedaços, E soltando depois feroz risada, Disseram ao passar, cruzando os braços: «Oh! como essa nação jaz aviltada!» E teus heroes nas tumbas inquietos, Vendo insultadas tuas altas glorias, Agitaram seus frios esqueletos, Despedaçando as lapides marmoreas. E cada qual das pregas do sudario, Erguendo a dextra que empunhára a lança, De pé sobre o jazigo funerario, Com torva indignação bradou: vingança! Debalde! ao vêrem sem valor as quinas, Elles murmuram nas geladas campas: Tu, quem sabe? ditosa te imaginas, E em tua historia mil baldões estampas. Nação que dormes do sepulchro á borda, Ergue-te, surge como outr'ora ovante! Teu genio antigo, teu valor recorda, E aprende n'elle a caminhar ávante! Se longos annos d'oppressão funesta Te pesaram na fronte hoje abatida, No seio de teus filhos inda resta Fogo bastante para dar-te vida. Longe da senda que gerou teu damno, Desata o vôo por espaços novos; E o ardor que te levou além do oceano, Além te levará dos outros povos. Ah! possa, possa ainda a meiga aurora D'esse dia feliz brilhar-me pura! Possa esta lyra, que teus males chora, Dar-te cantos de gloria e de ventura! Mas ah! se negra pagina sombria Tens de volver em teus crueis fadarios, Se o archanjo das ruinas ha de um dia Pairar sobre os teus restos solitarios: Terra da minha patria, ouve o meu brado, Se inda da vida me restar o alento, Tu que foste meu berço idolatrado, Sê minha tumba em teu final momento!
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