Á PATRIA

 

AO MEU AMIGO A. C. LOUSADA

(1852)


                      Esta é a ditosa patria minha amada.
                                           Camões--_Lus._


«Esta é a ditosa patria minha amada!»
Este o jardim de matizadas flôres,
Onde os céos com a terra abençoada
Rivalisam nas galas e primores.


Este o paiz das tradições brilhantes,
Onde cresceu a palma da victoria,
Onde o mar conta ás praias sussurrantes
Longinquos feitos d'extremada gloria.


Esta a nação de laureada frente,
Esta a ditosa patria minha amada!
Ditosa e grande quando foi potente,
Hoje abatida, sem poder, sem nada.


Patria minha, que tens, que em desalento
Vergas a fronte que alterosa erguias?
Porque fitas o gélido moimento,
Perdida a força dos antigos dias?


Que fizeste do genio destemido
Com que domavas esse mar profundo,
E sorrias das vagas ao rugido,
Ignotas praias descobrindo ao mundo?


Onde está esse vasto capitolio
De tuas glorias, o soberbo oriente,
Lá onde erguida em triumphante solio
Empunhavas teu sceptro refulgente?


Então eras tu grande! os reis da terra
Derramavam-te aos pés os seus thesouros;
O mar saudando teus pendões de guerra,
Gemia ao pêso de teus verdes louros.


Então de lanças e d'heroes cercada,
Avassallando a India e a Africa ardente,
A cada golpe da valente espada
Mais uma palma te adornava a frente.


Então prostradas mil hostis phalanges,
Retumbava o fragor de teus combates
Desde as praias de Ceuta além do Ganges,
Fazendo estremecer o Nilo e Euphrates.


Então eras tu grande! hoje esquecida,
Um ecco apenas de teu nome sôa;
Nos braços da victoria adormecida,
Perdeste o sceptro e a magestosa c'rôa.


Os fortes pulsos entregaste aos laços
Da tyrannia e rude fanatismo,
E descahidos os potentes braços,
Caminhaste sem forças ao abysmo.


Um livro apenas te ficou, ó triste,
Por epitaphio da passada gloria;
Tudo o mais acabou, já nada existe
De tanto resplendor, mais que a memoria.


Das quinas os pendões já não revoam,
Aguias altivas, sujeitando os mares;
Teus gritos de victoria, ai! já não soam
Na Lybia e nos gangeticos palmares.


Nações obscuras quando o mundo inteiro
Já tuas glorias aprendido tinha,
Vendo apagado teu ardor guerreiro,
Arrancaram teu manto de rainha.


E repartindo entre ellas seus pedaços,
E soltando depois feroz risada,
Disseram ao passar, cruzando os braços:
«Oh! como essa nação jaz aviltada!»


E teus heroes nas tumbas inquietos,
Vendo insultadas tuas altas glorias,
Agitaram seus frios esqueletos,
Despedaçando as lapides marmoreas.


E cada qual das pregas do sudario,
Erguendo a dextra que empunhára a lança,
De pé sobre o jazigo funerario,
Com torva indignação bradou: vingança!


Debalde! ao vêrem sem valor as quinas,
Elles murmuram nas geladas campas:
Tu, quem sabe? ditosa te imaginas,
E em tua historia mil baldões estampas.


Nação que dormes do sepulchro á borda,
Ergue-te, surge como outr'ora ovante!
Teu genio antigo, teu valor recorda,
E aprende n'elle a caminhar ávante!


Se longos annos d'oppressão funesta
Te pesaram na fronte hoje abatida,
No seio de teus filhos inda resta
Fogo bastante para dar-te vida.


Longe da senda que gerou teu damno,
Desata o vôo por espaços novos;
E o ardor que te levou além do oceano,
Além te levará dos outros povos.


Ah! possa, possa ainda a meiga aurora
D'esse dia feliz brilhar-me pura!
Possa esta lyra, que teus males chora,
Dar-te cantos de gloria e de ventura!


Mas ah! se negra pagina sombria
Tens de volver em teus crueis fadarios,
Se o archanjo das ruinas ha de um dia
Pairar sobre os teus restos solitarios:


Terra da minha patria, ouve o meu brado,
Se inda da vida me restar o alento,
Tu que foste meu berço idolatrado,
Sê minha tumba em teu final momento!
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