ADEUS
Autor: Bulhão Pato on Thursday, 17 January 2013
Vai-te, oh! vai sombra mentida, Para nunca mais volver! Vai-te, deixa-me na vida, Que esse teu estranho ser, Fatal sempre me tem sido, Fatal sempre me ha de ser. Qual era a traidora mão Que para ti me impellia? Eu desvairado não via, Ser aquelle um fulgor vão Que no horisonte luzia?! Crente a vista repousava Na luz clara, intensa, bella, Que para a terra manava Do seio da meiga estrella, E que minh'alma inundava D'aquella celeste chamma Que a vida e razão inflamma No ardente fogo de amor! Deixei-me cegar por ella; Quanto e como então vivia Ao grato e doce calor D'essa que assim me perdia, Não sei; porem sei que um dia, Num'hora de maldição, Não vi mais no firmamento O seu mentido clarão. Desvairado em tal momento Fugi sem norte e sem tino; Mas quem foge ao seu destino!? Numa d'estas noites placidas, Em que as estrellas fulgentes, Reflectem vívida luz, Á flor das aguas dormentes; Em que o rouxinol seduz, Co'as inspiradas endeixas Soltando sentidas queixas, D'entre as balseiras virentes; Quando respira no ar, Do monte que o mato veste Aquelle perfume agreste, Que é tão grato de aspirar; Quando emfim a natureza, No seu mais pleno vigor Ergue a Deus seu hymno eterno De graças, de paz, de amor! Eu na minha alma abatida, Procurava, mas em vão, Uma só nota do canto Immenso da creação. Debalde encontrar buscava, Naquella ardente anciedade Em que o peito arqueja e cança, No passado uma saudade, No porvir uma esperança! Debalde a vista alongava, Pelo ceo onde as estrellas, Resplandeciam tão bellas! Em meu peito arido e morto O reflexo d'uma d'ellas Nem sequer compenetrava! Fatigado, exangue, absorto, Sem luz, sem norte, e sem tino Prosseguia o meu destino! Quando ao chegar um instante Em que afflicto a vista erguia, Dei com teu bello semblante, Pallido, triste, abatido, Que para mim se volvia Saudoso e compadecido. Oh! tão fundo sentimento Brilhava nos olhos teus Que ao ver-te nesse momento Quem te não dissera um anjo Do ceo á terra descido, E que volve arrependido, Outra vez aos pés de Deus! Lá, na extrema do horisonte Vinha então rompendo a lua; Melancolica a luz sua, O teu semblante inundou; E nunca no prado ou monte, Aquella face formosa, Outra tão pallida rosa De um reflexo illuminou! Comtemplava-te perdido, De esperança, amor, e gosto, Quando teu languido rosto, Pouco a pouco se animou; E a tua voz docemente Murmurando ao meu ouvido, De novo um amor ardente Outra vez me protestou. Hesitava em crer-te ainda; Mas o pobre coração, Quando se vê na desgraça Encontra a crença tão linda! A plenos tragos a taça, D'esse philtro enganador Ancioso esgotava então, Sem me lembrar que no fundo, Estava o fel da traição. Vai-te, adeus, pallida sombra, Vai, porque este coração, Por tuas mãos lacerado, Com a tua vista se assombra, E de ti foge aterrado! Janeiro de 1855.
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