ADEUS

 

      Vai-te, oh! vai sombra mentida,
      Para nunca mais volver!
      Vai-te, deixa-me na vida,
      Que esse teu estranho ser,
      Fatal sempre me tem sido,
      Fatal sempre me ha de ser.

      Qual era a traidora mão
      Que para ti me impellia?
      Eu desvairado não via,
      Ser aquelle um fulgor vão
      Que no horisonte luzia?!
      Crente a vista repousava
      Na luz clara, intensa, bella,
      Que para a terra manava
      Do seio da meiga estrella,
      E que minh'alma inundava
      D'aquella celeste chamma
      Que a vida e razão inflamma
      No ardente fogo de amor!

      Deixei-me cegar por ella;
      Quanto e como então vivia
      Ao grato e doce calor
      D'essa que assim me perdia,
      Não sei; porem sei que um dia,
      Num'hora de maldição,
      Não vi mais no firmamento
      O seu mentido clarão.
      Desvairado em tal momento
      Fugi sem norte e sem tino;
      Mas quem foge ao seu destino!?

      Numa d'estas noites placidas,
      Em que as estrellas fulgentes,
      Reflectem vívida luz,
      Á flor das aguas dormentes;
      Em que o rouxinol seduz,
      Co'as inspiradas endeixas
      Soltando sentidas queixas,
      D'entre as balseiras virentes;
      Quando respira no ar,
      Do monte que o mato veste
      Aquelle perfume agreste,
      Que é tão grato de aspirar;
      Quando emfim a natureza,
      No seu mais pleno vigor
      Ergue a Deus seu hymno eterno
      De graças, de paz, de amor!
      Eu na minha alma abatida,
      Procurava, mas em vão,
      Uma só nota do canto
      Immenso da creação.

      Debalde encontrar buscava,
      Naquella ardente anciedade
      Em que o peito arqueja e cança,
      No passado uma saudade,
      No porvir uma esperança!

      Debalde a vista alongava,
      Pelo ceo onde as estrellas,
      Resplandeciam tão bellas!
      Em meu peito arido e morto
      O reflexo d'uma d'ellas
      Nem sequer compenetrava!
      Fatigado, exangue, absorto,
      Sem luz, sem norte, e sem tino
      Prosseguia o meu destino!
      Quando ao chegar um instante
      Em que afflicto a vista erguia,
      Dei com teu bello semblante,
      Pallido, triste, abatido,
      Que para mim se volvia
      Saudoso e compadecido.

      Oh! tão fundo sentimento
      Brilhava nos olhos teus
      Que ao ver-te nesse momento
      Quem te não dissera um anjo
      Do ceo á terra descido,
      E que volve arrependido,
      Outra vez aos pés de Deus!

      Lá, na extrema do horisonte
      Vinha então rompendo a lua;
      Melancolica a luz sua,
      O teu semblante inundou;
      E nunca no prado ou monte,
      Aquella face formosa,
      Outra tão pallida rosa
      De um reflexo illuminou!

      Comtemplava-te perdido,
      De esperança, amor, e gosto,
      Quando teu languido rosto,
      Pouco a pouco se animou;
      E a tua voz docemente
      Murmurando ao meu ouvido,
      De novo um amor ardente
      Outra vez me protestou.

      Hesitava em crer-te ainda;
      Mas o pobre coração,
      Quando se vê na desgraça
      Encontra a crença tão linda!
      A plenos tragos a taça,
      D'esse philtro enganador
      Ancioso esgotava então,
      Sem me lembrar que no fundo,
      Estava o fel da traição.

      Vai-te, adeus, pallida sombra,
      Vai, porque este coração,
      Por tuas mãos lacerado,
      Com a tua vista se assombra,
      E de ti foge aterrado!

Janeiro de 1855.
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