ADORNO, Theodor - Ensaio.

ADORNO, Theodor.

1903/1969

A Indústria Cultural e a Cultura de Massa.

Filho e sobrinho de musicistas, ADORNO teve desde a primeira infância o gosto musical despertado. Em sua Frankfurt natal (Alemanha) aconteceram seus primeiros contatos com a Arte e em 1924 ele se graduou em Filosofia e em Musicologia.

Em 1938, com a ascensão do Nazismo, imigrou para a New York e depois Los Angeles, EUA, onde lecionou na Universidade da Califórnia.

Após a Guerra voltou para a Alemanha e lecionou em Frankfurt até o fim da vida, os 66 anos, enquanto gozava de férias na Suíça.

Sua ambição de se tornar um grande compositor enfrentou vários contratempos e isso o levou a se dedicar preferencialmente à Filosofia, onde pôde exercer sua lúcida censura ao que chamou de Indústria Cultural”, desde o seu célebre Ensaio “Moda sem Tempo: sobre o Jazz”, de 1936.

A Indústria Cultural e a Cultura Popular

Essa critica pejorativa tornou-se um dos motes mais assíduos em seu Pensamento. O rebaixamento no nível das produções culturais e artísticas era-lhe insuportável e simbolizava, segundo sua ótica, a decadência do próprio homem.

Adorno integrou a famosa “Escola de Frankfurt”, composta por um grupo de Filósofos que estudavam o Capitalismo, do qual provinha o objeto (ou assunto) de sua censura mais contundente: os meios de comunicação em massa.

Segundo Adorno, a televisão é inerentemente, ou naturalmente, perigosa porque distorce o Mundo e a “Escala de Valores”, com o quê apresenta em sua programação.

Ademais nos impregna de estereótipos e de falsos valores e nos predispõe a tomá-los como se fossem de nossa própria autoria.

NOTA do AUTOR – essa opinião de Adorno foi exarada nas décadas de 1950 e 1960. É tentador imaginar o que ele diria nos tempos atuais.

Outros meios de “Comunicação em Massa” também não escaparam da acidez de suas criticas, pois segundo ele o conjunto que formam leva à erosão da inteligência. De fato, se fizermos uma tosca analogia com os músculos, veremos que o Cérebro também se atrofia quando é subutilizado.

A Mente que recebe a “informação pronta”, ao invés de lutar mediante estudos e pesquisas para obtê-la, perde o estímulo e, no fim, se torna tão inerte quanto os flácidos músculos dos homens sedentários.

Essa erosão do intelecto, além do óbvio efeito material que causa ao diminuir a Inteligência e a Criatividade da população, fazendo-a produzir menos e com pior qualidade, também produz outro resultado funesto.

Agora, no campo da Sensibilidade Artística do povo, que, então, submete-se aos piores tipos de entretenimentos grosseiros (músicas paupérrimas, literatura indigente e/ou espetáculos sangrentos e desumanos como touradas, rodeios etc.) julgando-os excelentes.

Isso explica, aliás, a fama imediata e superficial que é dada a alguns felizardos que são direcionados para entreter o populacho.

O povo inculto abdica da Arte e da Cultura reais, pela diversão rasteira e fútil que melhor se sintoniza com sua inteligência alquebrada pela falta de uso, num odioso círculo vicioso.

Seguindo essa pérfida tendência, também a Moralidade deixa de avançar e de progredir, pois a Massa Populacional se aferra em conceitos e preconceitos sociais, religiosos, étnicos, éticos etc. ultrapassados que só causam dor e sofrimento àqueles que atingem.

Por tudo isso, para ADORNO, a “Cultura de Massa” não nos torna apenas boçais, mas também incapazes de agir moralmente, à medida que nossos julgamentos sobre o caráter dos indivíduos não se dão pelas suas virtudes ou defeitos, mas sim por ideias errôneas e sem sentido que a Sociedade preserva ou assume, por indução da Indústria Cultural (no caso do Brasil, especialmente pela indução que é feita através das telenovelas).

Através da imbecialidade tornamo-nos meros fantoches sem vida e vontade próprias, a serviço dos “deuses” do “Mercado”.

NOTA DO AUTOR – seguindo o raciocínio de ADORNO, acreditamos que se pode dizer que o malefício maior da “Comunicação em Massa” está além da questão Cultural. Está no fato de escravizar o indivíduo humilde intelectualmente (mesmo que seja abastado materialmente), que abandona a sua já pequena individualidade e passa a “pensar” e a agir conforme a “Mídia” lhe induz. E como esse indivíduo é assemelhado aos seus pares, o grupo que eles compõem passa a ser conduzido de acordo com o interesse dos “novos patrões”. Alguns eruditos usam o termo “comportamento de manada” para nomear o modo de viver desses indivíduos. Embora seja deselegante, tal termo é acertado, pois as subjetividades (individualidades) deixam de existir no interior dessa “manada”. Exemplo desse comportamento irracional e ou pouco inteligente é o que expusemos alhures acerca da palavra “Patética”, que graças a traduções mal feitas de filmes e seriados estadunidenses passou a significar “ridículo”, quando na verdade é sinônimo de “terno, digno de pena, de consideração etc.”. A televisão, ao invés de corrigir o erro, posto que seja a sua obrigação, já que ela existe porque foi doada pelo povo, através do governo, para um grupo de indivíduos, assentiu cinicamente que o errado era “certo” e sem o menor pudor, como em outras tantas oportunidades, continuou a utilizá-lo erroneamente.

Os Julgamentos

Abordaremos, a seguir, as ideias do Filósofo acerca dos julgamentos que os homens fazem em sua Prática Social, ou seja, nos “Grupos Sociais” em que vivem.

Tendo sido criado dentro da tradição germânica em que se privilegia a Racionalidade, ADORNO se aprofundou no estudo da Moralidade e dos Costumes para criticar os julgamentos injustos e ineficazes que proferimos, os quais, na maioria das vezes, são feitos sem a necessária coerência Racional e sempre em benefício dos indivíduos que nos pareçam frágeis, ou carentes.

Frequentemente emitimos um juízo estando motivados apenas pelo Sentimentalismo. Exemplo deste “mau julgamento” pode ser observado quando se analisa a figura, ou o pensamento e os atos de um indivíduo caricato, simplório. De um estereótipo.

O estereótipo de um “Louco Sagrado”, por exemplo, remonta à época do Apóstolo Paulo que em Coríntios conclama seus seguidores a “serem loucos por amor a Cristo”.

Durante a Idade Média, essa ideia se desenvolveu e ganhou corpo na figura de um eremita, cuja popularidade originava-se em sua *patética figura de tolo indefeso e pouco inteligente, mas puro e infinitamente bondoso.

NOTA do AUTOR – semelhanças com Carlitos, personagem de Charles Chaplin, não são meras coincidências. Sempre apreciamos esse tipo de indivíduo que nos remete à pureza que nós próprios tivemos um dia.

NOTA do AUTOR - *Patética – na acepção correta de: “algo ou alguém que nos toca o coração. Que nos enternece”. A concepção errônea que vem sendo dada ao termo (patética = ridículo), aqui não se aplica por motivos óbvios.

Em sua obra “Mínima Moralia”, ADORNO questiona o acerto dessa tradição, pois ele não acreditava nas tentativas de “absolver, ou perdoar, e beatificar o estúpido, ou pouco inteligente”, apenas por isso.

Julgava que esse tipo absolvição não nos permite fazer um julgamento justo. E nem agir com critério, pois estaremos agindo e julgando apenas com o lado emotivo.

NOTA do AUTOR – antes que sua tese seja julgada negativamente por sua aparente “frieza”, é oportuno que ampliemos nosso ponto de observação para vermos que o filósofo defende a sua aplicação Universal, independentemente do Ato de Maldade ter sido cometido por falta de Racionalidade, de Inteligência; ou de Sensibilidade, Urbanidade. Desse modo, tanto o Prêmio, quanto o Castigo devem ser aplicados conforme os seus agravantes ou atenuantes, decorrentes não só da carência emotiva, mas também da falta de inteligência. Ainda nessa senda, nota-se outro ponto que fica subentendido em sua Teoria; a censura que faz às crendices e crenças místicas e religiosas cujos fundamentos são baseados, claro, na Fé irracional e, por vezes, são usados como detonadores dos Atos Violentos.

Diz o Filósofo: em verdade, o julgamento só é justo quando conseguimos coerência entre a Emoção e a Razão, ou seja, entre o Sentimento e a Racionalidade.

Assim, para ele, o Julgamento justo deveria seguir os passos abaixo:

  1. Temos a inteligência e a emoção.
  2. Ambas devem ser usadas na medida adequada para identificarem o Correto e o Errado.
  3. Logo, para julgar Moralmente (ou conforme a Moral) é preciso ser capaz de usar tanto a inteligência, quanto as emoções.

Por isso ele afirma que a Inteligência é uma CATEGORIA MORAL, ou seja, a inteligência é um dos elementos imprescindíveis para a formação da Moralidade, pois ter “bons sentimentos” Não é suficiente, haja vista que a generosidade sem critério pode premiar o erro e punir o acerto, com prejuízos evidentes para o conjunto da Sociedade e, particularmente, para quem foi afetado diretamente por tais enganos.

Todavia, ADORNO acreditava que é tão errado crer na existência do “Louco Sagrado”, quanto imaginar que podemos fazer qualquer julgamento baseados apenas na nossa Razão, ou seja, de forma fria e racional.

Mesmo que tal atitude fosse a mais adequada para os Tribunais, o Filósofo concede que ela seja impraticável pelas próprias idiossincrasias do homem.

Para o ele, aliás, nem haveria meios de se fazer um Julgamento desprovido de qualquer emoção.

Segundo sua ótica, fazer Julgamentos criteriosos, equilibrados, abandonando a emoção é tão improvável (senão impossível) quanto fazer um julgamento justo sem o uso da Inteligência.

 Não existe, portanto, outra maneira, que não seja utilizando os dois elementos que nos compõem: Razão e Coração.

Por isso ele escreveu que “quando for eliminado o último traço de emoção de nosso pensamento, não restará nada para pensarmos”.

Adorno acreditava que as Ciências (ou a tecnologia, enquanto forma de Saber, de Conhecimento que se liga apenas à racionalidade) tiveram um efeito desumanizador sobre o homem.

E que vem daí a chamada “Cultura Popular (em seu pior sentido), a qual, para ele, não passa de vulgar entorpecimento destinado a minar o senso critico da população.

NOTA do AUTOR - Mirando-se o exemplo da televisão, salvo as exceções, é difícil discordar do mesmo.

Contudo, ironicamente, é provável que essa mesma tecnologia, ou Ciência, ajude a demonstrar o acerto da Teoria de Adorno, se considerarmos que desde a década de 1990, neurologistas tem mapeado o cérebro e conseguido demonstrar com exatidão os processos de Razão, de Emoção e, consequentemente, o processo de decidir, de julgar.

Continuamente surgem novos equipamentos que permitem conhecer com mais detalhes a dinâmica cerebral, tornando possível mensurar a complementaridade entre as sensações e os raciocínios lógicos, as duas faces daquilo que nos torna humanos.

A música.

Neste Ensaio não mencionamos o ideário de ADORNO, referente às questões técnicas relativas à Música, por se tratar de um material extremamente técnico e que interessa apenas aos estudiosos dessa parte de sua obra.

Não obstante a excelência do seu trabalho nesse particular, julgamos que a dificuldade que a mesma apresenta (especialização máxima na questão e um vocabulário rígido e incompreensível para o leitor comum) não justificaria o trabalho necessário para decodificá-la, haja vista, como se disse, atingir um público restrito, ao contrário do que se pretende com este trabalho.

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