Afogamento

De tempos a tempos, quando não sempre,
Invade-me o corpo um impiedoso amor
E transborda pelos meus poros,
Materializa-se em grossas lágrimas,
Cristalinas da mais pura mágoa,
Em suspiros e tremores de alucinado,
Sintomas de não ser, em retorno, amado.

Mas não há nunca quem, genuinamente,
Seja lenço de seda pura e branca
Para me limpar esse louco amor-suor,
Que dos poros me vai escorrendo e encharcando.
Não existe quem, seco e murcho,
Queira matar a sede de um trago,
com as minhas lágrimas salgadas,
Húmidas torrentes nunca acalentadas.

E vem então, vagarosa, a resignação,
Com os seus vigorosos braços fatídicos
Empurrando para baixo o meu amor-cabeça,
Mergulhando-a no pantanal de minha paixão
Repleto do lodo do ciúme e da amargura...
O nariz entope-se-me, impávido e sereno,
Quase sem estrebuchar, desse amor imundo,
E nada mais posso eu fazer, exangue que estou,
A não ser aceitar meu fatum de renegado.

Mas eis que quando, inesperadamente
Meu amor ganha vermelhas guelras de Tritão,
Qual Poseidon furioso de tridente na mão,
Voltando a resfolegar, a ganhar um ímpeto doente,
E soprando os búzios da musical calmaria,
Fere os tímpanos surdos dessa resignação,
Tomando um novo fulgor, insidioso e atroz,
Pois se bem que novamente me desperta a vida,
Tão igualmente me traz o desditoso tormento
De não me ver reciprocamente desejado e querido.

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