Algo irá acontecer

Mogwai - Auto Rock

Algo irá acontecer

No rastejar livre das minhas raízes sólidas

Do ar, um cócó de pássaro cai no ombro da minha folha

Esborrata-se todo no ramo e desce caminhos de voo

 

Algo terá que acontecer, algo irá acontecer

O galo que canta sempre cedo demais ou demasiado tarde

Sem metas e sem desafios, um galo livre de cantos

Nas veias do relvado ensopado de água

 

Algo irá escorrer da lava de um vulcão

Que desce com o falcão até encontrar o chão

Onde germina e cresce os seus ramos do alcatrão

Até o infinito e mais além

 

Algo irá voar no rio e no espaço

Bater nos galhos para os frutos comer

Frutos tais que nos fazem crescer

Na terra que emana calor fervente

 

Que quero eu mais do que poesia?

Quero senti-la pelos olhos dos que me vêem

Quero ser a lesma e a centopeia no chão

Na alface, na semente, numa situação

 

As casas enforcadas nos meus braços de sobreiro

Que sobram das sobras de algo que irá acontecer

E se o vento me partir, crescerá de novo outro ramo

A minha raiz torna-se mais forte e bebe ainda mais água

 

Algo irá dar a bicicleta ao outro

Vai sair por baixo sem se notar

Vai crescer flor, erva, fungo, ou arbusto

Algo irá realmente acordar

 

Vou crescendo a minha floresta até ao astro

E os cheiros do eucalipto que arde dia sim, dia sim

Num rodopio de borboletas ou de melgas

Um ciclo de cores que se cheira ao ouvir-se atentamente

 

Algo irá acontecer mesmo que espere desesperadamente

Vai sair pela toca de incêndios e subir as lianas dos meus braços

Vai de encontro ao cabelo dos meus galhos

Onde rios de pólenes se espalham para me poder proliferar

 

Algo irá acontecer de um cantar de um plátano

Algo com bico e penas irá acontecer

Algo com terra e areia terá que acontecer

Algo que me terá que satisfazer

 

Como as bolhas de água de um jacuzzi natural

Que sai de uma pocinha de água com cal

Onde os grilos da madrugada cantam voos de pássaro

E onde os voos de pássaro cantam cigarras sóbrias

 

Nesses voos vêem-se todas as cores da terra

Deles, nascem os frutos e as espadas de São Jorge

É desses voos que se purifica o ar das vivências

Quando não interessa se está chuva de sol, ou sol de chuva

 

Algo irá acontecer ao caracol com os olhos ao sol

A rola a grilar e o grilo a arrulhar, nas pedras de uma rocha maior

Que se foi desfazendo ao longo do rio formado pelos meus troncos

Sem destino e sem sentido, num córrego ainda por rastejar

 

Algo irá acontecer quando do cuco crescer morangos

O sabor irá ser de lama que já voou por outros ramos

Ramos que se vieram a entrelaçar numa rede de pintassilgos

Com gotas de água a brilhar em zig-zags de ninhos

 

Algo irá acontecer, mesmo que seja

Ter o galo de ir a Barcelos ver o galo de Barcelos,

Num fim de tarde de Domingo, feriado nacional.

Onde o sol desceu para o chão e do chão se fez luz

 

Algo irá pedir, pedir a esmola, pedir um favor, pedir a fatura, pedir por favor

As ruas desertas demoram a ficar com ervas nas gretas

Em valas correm relvas e musgos

Das lavas irá crescer vegetação.

 

Algo irá cantar, cantar muito, cantar de galo,

Cantar de pássaro, cantar acapella, cantar a São Lázaro

Em paredes de carvalhos que correm na água e nadam na terra

Terra que voa até à copa do rastejar dos colibris

 

Algo irá flutuar por onde as cobras rastejam

Nos túneis luminosos da escuridão

Num cantar de ramos onde não me vejam

Num mar de túlipas de grande dimensão

 

Algo irá rezar à mãe natureza para ter mais anos de vida, ou uma vida sem prazos.

Em ramadas de orvalho

Que vêem em meus poros

Algo que terá que ficar por aqui

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