ALGUMA POESIA
HOMENS DE FUMAÇA
No arrastar de minhas sandálias
Pela casa,
Tenho as lembranças arranhadas
E esquecidas.
Por onde andam as conversas conduzidas
Pelos homens de fumaça?
Se desfizeram com o tempo,
Nas costas de um tênue vento,
Pela janela escancarada.
O velho barco na distância, ainda aguarda
Pela tripulação dispersa,
Numa espera
Que parece eternizada.
Em meio a tralhas,
Depuseram suas velas.
Em meio a elas,
O seu capitão se apaga.
O COMEDIANTE
Sou do tamanho que posso,
Que não pode ser tão grande.
Sou às vezes, num instante,
Tão pequeno, tão remoto
Que me sinto um gigante.
Sou maior do que fui antes,
Infinitamente escasso.
Tão extremamente raro
Quanto vasto e abundante.
Sou gritante
Quando calo.
Sou silencioso e magro
Quando gordo e falante.
Sou um triste ocupante
De um espaço ainda vago.
Sou tão trágico
Quando sou comediante.
SEPULTAMENTO
Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.
DISLATE
Talvez minhas palavras sejam tolas,
minhas ações, inconsequentes;
as minhas brincadeiras, ironia;
eu próprio seja falho e negligente.
O meu discurso seja sátira;
minha seriedade, uma piada.
O meu humor seja mau gosto;
o meu dislate, permanente.
Meu riso entre dentes, atimia;
a minha faina seja ociosa;
meu pranto, uma lição jocosa
e o jeito infantil, idiotia.
Talvez a minha vida seja um fracasso;
meus versos, um engodo imoral.
Em epítome, sou um gracejo nefasto.
Meu desejo, um esboço abnormal.
GRAMATICAL
Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.
MINHA GERAÇÃO
Essa amargura
Que me faz um homem rude,
É mera atitude
De defesa.
Odeio a pobreza
Que aos pés de Deus se ilude;
Enquanto a juventude,
Nada almeja.
Desprezo a mania de grandeza
Que o rico tem com tudo.
Não sou um carrancudo
Por frieza;
Somente faço uso
Da tristeza
De um sisudo,
Por ser fruto
De uma geração que aceita.