AMOR E DUVIDA
Autor: Bulhão Pato on Tuesday, 5 February 2013
Quando essa pallida frente
Por momentos pensativa
Cai ás vezes de repente,
E se amortece a luz viva
Que nos teus olhos resplende,
Sinto que est'alma se accende
De um fogo, de uma paixão,
Que me desvaira a razão!
A terrivel incerteza,
Esta duvida constante,
Desapparece um instante!
Creio em ti:--foge a tristeza
Que todo o meu ser domina;
Torno á vida, e livre aspiro
Num mundo que se illumina
Da encantada luz do amor!
Depois, se um flébil suspiro
Vem de teus labios á flor,
Oh! como então és amada!
Como tens aos pés rendida
Toda a força d'esta vida
Que por ninguem foi domada!
Mas é só por um instante!
Volta depois a incerteza,
Quando assume o teu semblante,
Aquella glacial frieza,
Que desalenta, que opprime,
Que faz profunda tristeza,
E destroe quanto é sublime!
Um dia no firmamento
O sol vívido brilhava,
E a aragem com brando alento
Entre as ramas suspirava!
Era ali, naquelle val,
Que parece destinado,
Para esconder na espessura
Os segredos da ventura!
O coração agitado
Nesse instante te pulsava,
E uma tristeza mortal
O semblante te anuviava.
Allucinado buscava
A causa d'onde nascia,
Quando um gesto, uma expressão
Me disse que eu só podia
Tirar-t'a do coração!
Sem mais ver, nem mais pensar
Com que delirio a teus pés
Me viste rendido então!...
Quem podia duvidar
Vendo a ingenua timidez
Do teu inspirado olhar?!
Os labios não revelaram
O que havia em nossas vidas,
Mas as vistas confundidas
Com que eloquencia fallaram!
Chegára a noite; do ceo
Vi scintillar uma estrella;
Era brilhante, e era bella,
Mas um presagio mortal,
Um cruel presentimento
Me disse nesse momento:
Não fites os olhos nella,
Porque essa luz é fatal.
Amanhã, espesso veo
de nuveus ha de envolvel-a;
E se de novo surgir
Será para te illudir.
E esta duvida cruel
Este constante hesitar
Quem m'o pode terminar
Quem, senão um teu olhar?
Junho de 1859.Género: