AMOR E DUVIDA

 

      Quando essa pallida frente
      Por momentos pensativa
      Cai ás vezes de repente,
      E se amortece a luz viva
      Que nos teus olhos resplende,
      Sinto que est'alma se accende
      De um fogo, de uma paixão,
      Que me desvaira a razão!

      A terrivel incerteza,
      Esta duvida constante,
      Desapparece um instante!
      Creio em ti:--foge a tristeza
      Que todo o meu ser domina;
      Torno á vida, e livre aspiro
      Num mundo que se illumina
      Da encantada luz do amor!
      Depois, se um flébil suspiro
      Vem de teus labios á flor,
      Oh! como então és amada!
      Como tens aos pés rendida
      Toda a força d'esta vida
      Que por ninguem foi domada!

      Mas é só por um instante!
      Volta depois a incerteza,
      Quando assume o teu semblante,
      Aquella glacial frieza,
      Que desalenta, que opprime,
      Que faz profunda tristeza,
      E destroe quanto é sublime!

      Um dia no firmamento
      O sol vívido brilhava,
      E a aragem com brando alento
      Entre as ramas suspirava!
      Era ali, naquelle val,
      Que parece destinado,
      Para esconder na espessura
      Os segredos da ventura!

      O coração agitado
      Nesse instante te pulsava,
      E uma tristeza mortal
      O semblante te anuviava.
      Allucinado buscava
      A causa d'onde nascia,
      Quando um gesto, uma expressão
      Me disse que eu só podia
      Tirar-t'a do coração!
      Sem mais ver, nem mais pensar
      Com que delirio a teus pés
      Me viste rendido então!...
      Quem podia duvidar
      Vendo a ingenua timidez
      Do teu inspirado olhar?!
      Os labios não revelaram
      O que havia em nossas vidas,
      Mas as vistas confundidas
      Com que eloquencia fallaram!
      Chegára a noite; do ceo
      Vi scintillar uma estrella;
      Era brilhante, e era bella,
      Mas um presagio mortal,
      Um cruel presentimento
      Me disse nesse momento:
      Não fites os olhos nella,
      Porque essa luz é fatal.
      Amanhã, espesso veo
      de nuveus ha de envolvel-a;
      E se de novo surgir
      Será para te illudir.

      E esta duvida cruel
      Este constante hesitar
      Quem m'o pode terminar
      Quem, senão um teu olhar?

Junho de 1859.
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