ANHELOS
Autor: Soares de Passos on Friday, 16 November 2012
Que immenso vacuo n'este peito sinto! Que arfar eterno de revolto mar! Que ardente fogo, que jámais extincto Sómente afrouxa para mais queimar! Ai! esta sêde que meu peito rala, Talvez a apague mundanal prazer: Alli ao menos poderei fartal-a, Ou n'um lethargo sem paixões viver. Mas d'essa taça já provei... não quero! Quero deleites que inda não senti... A lucta, os riscos d'um combate fero! Talvez encantos acharei alli. A lucta, os riscos, em acção travadas Guerreiras hostes disputando o chão; O sangue em jorros, o tinir d'espadas, O fumo e o fogo do voraz canhão! Alli os gôsos d'um feroz delirio, Á luz das armas, sentirei em mim, Ou n'uma d'ellas o funereo cyrio Que á paz dos mortos me conduza emfim. Mas não, não quero sobre a terra escrava A vis tyrannos immolar o irmão... O mar, o mar, que em sua furia brava Ninguem domina com servil grilhão! O mar, o mar! sobre escarcéos revoltos Em fragil lenho fluctuar me apraz, Ao som das vagas e dos ventos soltos, E das centelhas ao clarão fugaz. Alli sorrindo da feroz tormenta, E dos abysmos que me abrir aos pés, Dentro d'esta alma de prazer sedenta Sublime gôso sentirei talvez. Mas o mar livre tem um leito ainda Que os meus anhelos poderá soster... O espaço, o espaço! na amplidão infinda Talvez que possa o coração encher. O espaço, o espaço! qual ligeiro vento Irei lançar-me n'esse mar sem fim, E a longos tragos aspirar o alento, Sentir a vida que desejo em mim... Ora aguia altiva, desprezando o solo, O rei dos astros buscarei então, Ora entre as neves do gelado polo Voarei nas azas do veloz tufão. Mas solitario, sem cessar errante, De que valêra na amplidão correr?... A gloria, a gloria, que em painel brilhante Me off'rece a imagem d'um maior prazer! A gloria, a gloria! mil trophéos ganhados, Mil verdes palmas e laureis tambem; Triumphos, c'rôas e sonoros brados Da turba--é elle!--repetindo além... Então em sonhos d'uma vida infinda Verei a chamma d'immortal pharol, Que em meu sepulchro resplandeça ainda, Bem como a lua quando é morto o sol. Mas não, que a inveja com a voz mentida A luz em sombras poderá tornar... O amor, o amor, que redobrando a vida, A vida n'outrem me fará gosar! O amor, o amor, celestial perfume Que a mão dos anjos sobre nós verteu, Doce mysterio que n'um só resume Dous pensamentos aspirando ao céo! O amor, o amor, não mentiroso incenso Que em frios labios só no mundo achei, Mas immutavel, mas sublime e immenso Qual em meus sonhos juvenis sonhei... O amor! só elle poderá n'esta alma Risonhas crenças outra vez gerar, De minha sêde mitigar a calma, E inda fazer-me reviver, e amar.
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