*Ao Canto do Lume*
Novembro. Só! Meu Deus, que insupportavel mundo!
Ninguem, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
Spleen o d'estas noites immortaes!
Faz tanto frio. (Só de a ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota mais carvão!
E quando todo se extinguir na aurea chamma,
Eu botarei (para que serve? já não ama...)
As cinzas brancas, meu vermelho coração!
Lá fóra o vento como um gato bufa e mia...
Ó pescadores, vae tão bravo o mar!
Cautella... Orçae! Largae a escota! _Ave Maria!
Cheia de Graça_... Horror! Mortos! E a agoa tão fria!...
Que triste ver defuntos a boiar!
Spleen! Que hei-de eu fazer? Dormir, não tenho somno,
Leva-me a carne a Dor, desgasta-me o perfil.
Nada ha peior que este somnambulo abandono!
Ó meus Castellos-em-Hespanha! Ó meu outomno
D'alma! Ó meu cair-das-folhas, em Abril!
A Vida! Horror! Ó vós que estaes no ultimo alento!
Que felizes, sois prestes a partir!
Ó Morte, quero entrar no teu Recolhimento!...
Oiço bater. Quem é? Ninguem: um rato... o vento...
Coitado! é o Georges, tysico, a tossir...
Mez de Novembro! Mez dos tysicos! Suando
Quantos, a esta hora, não se estorcem a morrer!
Ve-se os padres as mãos, contentes, esfregando...
Mez em que a cera dá mais e a botica, e quando
Os carpinteiros têm mais obra p'ra fazer...
Oiço um apito. O trem que se vae... Engatar-te
Quem me dera o wagon dos sonhos meus!
Lá passa, ao longe. Adeus! Quizera accompanhar-te...
--Boa viagem! Feliz de quem vae, de quem parte!
Coitado de quem fica... Adeus! adeus!
Viajar? Illuzão. Todo o planeta é zero.
Por toda a parte é vil o homem e bom o céu.
--Americas! Japão! Indias! Calvario!... Quero
Mas é ir, á Ilha, orar sobre a cova do Anthero
E a Agueda beber agoa do Botareu...
Vi a Ilha loira, o Mar! Pizei terras de Hespanha,
Paizes raros, Neves, Areiaes;
Cantando, ao luar, errei nas ruas da Allemanha,
Armei na França minha tenda de campanha...
E tedio, tedio, tedio e nada mais!
Que hei-de eu fazer? Callae essas canções immundas,
Cervejarias do Quartier! Rezae, rezae!
Paysagem, onde estás? Ó luar, agoas profundas!
Ó choupos, á tardinha, altivos, mas corcundas,
Tal como aspirações irrealizaveis, ai!
Não me tortura mais a Dor. Sou feliz. Creio
Em Deus, n'uma outra vida, além do Ar.
Meus livros dei-os, meu Philosopho queimei-o:
Agora, trago uma medalha sobre o seio
Com a qual fallo, ás noites, ao deitar.
Espiritos! em vão, debalde por vós clamo:
Porque me abandonaes? Ó almas, vinde a mim!
As vezes, vindes consolar-me e não vos chamo,
E, hoje, não... Porque? Traço o parallelogrammo,
Extingo o lume, apago a luz: nem mesmo assim!
Ó almas do Outro-mundo! a minha alma anceia
Pelo luar da lua de Canaan:
Quero passar o _além_ que para além se alteia,
A nação de que a Terra é uma pequena aldeia
E um logarejo a Estrella da Manhã!
(E a chuva cae...) Meu Deus! Que insupportavel mundo!
Viv'alma! (O vento geme...) O que farão os mais?
Senhor! A Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
Spleen mortal o d'estas noites immortaes!
Pariz, 1890-1891.