AO NOVO CYCLO HISTORICO: AO TRIUMPHO DO ESPIRITO
Homem! sob o docel das fulgidas estrellas,
Que espalham pelos ceus de Deus o Ideal jocundo,
Surgiste insciente e nu, por entre mil procellas,
A custo iniciando o teu Poder no mundo!...
A Terra, que ha de ser mais tarde o teu Imperio,
Theatro e pantheon dos teus tropheus de gloria,
Prendeu-te inerme e escravo, e impoz-se ao teu criterio
Terrivel como um Deus, no escuro humbral da Historia!...
No fundo do teu Ser, que sabias leis dirigem,
Rompia ainda incerta, envolta em serração,
Tua alma, cuja luz transporta o mundo á origem
Do Bello, Justo e Bom, do Amor e da Rasão!...
Que seculos sem fim primeiro que desvendes,
Dos vinculos da carne, esse fanal divino!...
Que lugubres visões!... Que espectros!... Que duendes!...
Que espiritos do mal, turvavam teu destino!...
Que o digam as ficções do extincto fetichismo!...
O numero sem fim dos deuses dos selvagens!...
As tetricas visões da Fé no Judaismo!...
Do inferno dos christãos as lobregas voragens!...
Mas tudo emfim venceste e hoje sôa a hora
De veres sem pavor a estrada percorrida!...
De creres já em ti, em Deus, na luz d'aurora
Que encerra um velho cyclo, e um novo te abre á Vida!...
Deus fez d'esse teu peito um campo de batalha
Das luctas no Universo!... E ahi foram mantidas,
Em nome do Ideal que a terra e os ceus trabalha,
Medonhas convulsões e guerras fratricidas!...
Decerto obedecendo a occulto e grão motivo,
No plano universal da Vida a que és sugeito,
As mil conflagrações do cahos primitivo
Vieram a surgir de novo no teu peito!...
Dois cyclos Deus traçou, d'uma orbita infinita,
Dos povos do universo ás multiplas colmeias:
Um vota-o as paixões que o rubro sangue agita;
O outro ao resplendor sereno das idéas!...
Inicio da missão primeira a que és chamado,
Tu vês, em pleno horror, da força o predominio
Nas feras, que, crueis, rugindo em alto brado,
Se votam sem quartel ás luctas de exterminio!...
Mil raças d'animaes, minados d'odio eterno,
Trucidam-se, correndo o rubro sangue em rios!...
Tem odios figadaes, que lembram os do inferno,
Que foi a projeção de tempos tão sombrios!...
Em face então do mundo acceso todo em guerra,
Proclamas-te senhor e rei da creação!
E levas sem quartel a morte a toda a Terra,
Á pedra, a pau, a ferro, e a tiro de canhão!...
Soberbo co'o poder, que d'ambições se nutre,
Gravas-te nos brazões heraldicos da gloria,
Das feras, o leão, o tigre, a aguia, o abutre,
Quaes symbolos fieis da tua acção na Historia!...
Atraz de mil visões formadas como especulos
Que alcançam do Ideal a luz sempre distante,
Tu fechas hoje em dia, ao fim de largos seculos,
Dos Deuses, reis e heroes o periodo brilhante!
Os proprios animaes, aquelles que escolheste
Por symbolos fieis do teu poder, é certo
Que estão-se a eliminar tambem: a morte investe
Com elles por fatal e superior decreto!...
A paz que hoje vaes ter por nova lei suprema,
É a mesma a que attingio o propio cahos por meta;
Nos páramos do azul os soes a teem por lemma
Escripto a fogo eterno aos olhos do poeta!...
N'um multiplo vae-vem, n'uma completa antithese
Por entre o goso e a dôr, por entre a sombra e a luz,
Chegas-te a conceber do mundo inteiro a synthese
N'um pae celeste e Bom, no Deus que vio Jesus!...
Deriva desde então do periodo primeiro
O fim que se approxima e o resplendente alvor
Do novo Ideal que traz o fim do captiveiro:
Em vez da Força, a Ideia; e, em vez do Odio, o Amor!
Teu cerebro pensante é como uma semente
Que está reproduzindo a flôr do Ideal!
Eterno nos traduz por forma resplendente
Do seu divino author a essencia espiritual!...
Do bello lyrio d'alma as petalas brilhantes
Cambiam sem cessar de côr e de perfume,
E levam do Porvir, aos seculos distantes,
O espirito de Deus que o mundo em si resume!...
É como o grão subtil que um cedro do Hymalaia
Expôe formoso ao Sol, em todo o seu systhema!...
Em intimo labor co'as leis da Vida, ensaia
A eterna solução do divinal problema!...
O mesmo estão fazendo as fulgidas estrellas,
Formoso campo em flôr, ideal jardim divino!...
D'ahi as mil visões das coisas as mais bellas
Que exparsem sobre nós seu brilho diamantino!
O mundo desde os soes da cupula infinita
Ás flores a teus pés, com paternal carinho,
Insuflam n'esse peito ancioso que palpita
Valor para que vás seguro em teu caminho!...
Tem fé no teu destino; em Deus tem confiança!
Da tua historia escripta as paginas sem conta
Derramam na tua alma a nova luz que avança
D'accordo co'o universo e que hoje em ti desponta!...
Em vez do legendario heroe das priscas eras,
Das guerras extrahindo a gloria a todo o custo:
Honrando o Creador, e as fulgidas espheras,
Serás, qual semi Deus, sereno, sabio e justo!...
É este o Ideal que as leis da natureza
Inspiram com sublime e candida alegria!...
Que as normas da Rasão, que as pompas da Belleza,
E as maximas do Amor, reclamam noite e dia!...
O mesmo ensina o mar que arqueja palpitante,
Da terra enviando a Deus seus canticos d'amôr!...
O mesmo o terno olhar dos olhos d'uma amante;
O augusto erguer do Sol, o calmo abrir da flôr!...
O cyclo que hoje se abre, embora ainda incerto,
Vem dar um novo rumo á tua antiga historia;
Vem pôr-te em equilibrio, em intimo concerto
Co'a vida universal, de que és a alma e a gloria!
É esta a nova Fé que em tuba altisonante,
Interprete da Vida, entôa a voz da musa!...
Correi, povos, a ouvir-lhe o seu clamor vibrante!...
O espirito de Deus em sua vóz se accusa!...
Novembro de 1898.