AO SOL!
Oh maravilha esplendida engastada
Na fronte augusta do azul profundo,
Qual lamina brilhante onde gravada
Se visse a face de quem fez o mundo,
Eu te saudo oh Sol? qual religioso
O Indio quando viu a vez primeira
Surgir do mar teu facho luminoso
E alegrar com a luz a terra inteira!
Ah! quiz cantar o braço omnipotente
Que por nós trabalhava a cada instante:
E a terra, o mar, e quanto vive e sente,
Apontou para Ti, astro brilhante!
Possam teus raios que nos ceus se expandem
Ricos da gloria e cheios d'alegria,
Fazer com que do peito meu debandem
As sombras da tristeza que trazia,
E ouve-me um canto alegre como o côro
Das aves quando, envolto em magestade,
Tu transpões do oriente as portas d'ouro
E abençoas dos ceus a Humanidade!
Oh astro, coração tres vezes santo,
De cujo seio foi por Deus emmerso
O movimento e a vida e tudo quanto
Forma hoje a harmonia do Universo!
Ouvi louvar-te, num concerto vario,
Montanhas, mares, flôres e arvoredos,
Que do meu peito, como d'um sacrario,
Confiaram seus intimos segredos!
Louvam-te as aves; louvam-te as creanças,
E os velhos que não teem fogo nos lares,
Buscando a doce luz que tu lhes lanças,
Como a imagem de Deus junto aos altares!
Louva-te, oh Sol! a terra a quem quizeste
Por tua esposa, na epocha sombria,
Em que de crepe a abbobada se veste,
Lacrimosa chorando noite e dia;
E os jubilios e os mil festões de gala
Com que cingio de noiva delirante
A casta fronte, quando a enamoral-a
Sentiu de novo o teu olhar brilhante!
Oh Sol! oh Sol! a minha lingua é pobre
Para cantar-te em verso o quanto vales
Perante as maravilhas que descobre
A vista humana por montanha e vales!...
Desde o negro carvão que o fogo atêa
Ao cédro altivo que no mundo avulta;
Desde o meu sangue á luz da minha idêa:
Por tudo existe a tua essencia occulta!...
Hostia de luz esplendida, patente
Perante os povos em perpetua missa!
Tu, que és de Deus o espelho resplendente,
Throno de gloria e séde de Justiça:
Se apagares nos ceus teu facho enorme,
Suspensa a vida no labor interno,
Tu verás como a terra logo dorme
Entre as sombras da noite um somno eterno!...
Seja pois o meu canto um desafogo
Da nossa gratidão, astro, jocundo!
Coração formosissimo de fogo
Que em nome do Senhor dás vida ao mundo!
E prosegue no carro flammejante
A derramar teus bens por mundos novos,
Que emquanto vês na marcha triumphante
Infindas tribus d'animaes e povos:
Eu, deslumbrado ainda com os vestigios
Da tua luz, de tantas coisas bellas,
Louvarei o author de taes prodigios
Sob esse manto esplendido d'estrellas!
Lisboa, 1872.