AOS FILHOS
Trazidos pelo Amor, que por instantes,
O veu ergue á Verdade,
Por nós á luz vieram, quaes prestantes
Peões da Humanidade!...
Amor é quem dos ceus nos abre a porta,
Nos deixa vêr o intuito
De Deus na Terra, e a elle nos transporta
Da amante o olhar fortuito!
Em nós n'um sonho lindo tendo origem,
Se o sonho a Deus encerra,
As sabias leis da historia humana exigem,
Que o sonho desça á Terra!...
Dos paes vingasse o amor, que este o faria
Entrar na realidade,
Expondo a divinal sabedoria
Em plena claridade!...
Com legitimo orgulho o sol dar-lhe-ia
Seus raios sempre novos;
E a Terra os bens innumeros que cria
Em paz, a bem dos Povos!
Em vez de irmãos maleficos eivados
De odios que o sangue atiça,
Os bons e os maus ver-se-iam congraçados
Em nome de Justiça!
Em frente das pacificas moradas,
Jasmins, lyrios e rosas!...
E as ruas que pisamos marchetadas
De pedras preciosas!
Tal o sonho que passa pela mente
D'um pae creando os filhos,
E n'essa fé remove deligente
Milhares d'empecilhos!...
Mas fal'o em vão, que o mundo, sob um pacto
Cruel co'o odio eterno,
Lhe põe em derredor, injusto e ingrato,
Em vez do ceu, o inferno!...
Ás vezes chega a ter-se horror ao homem,
Ás suas impias luctas,
Ao termos de entregar o peito joven
D'um filho ás feras brutas!...
Antithese do Bem em que inda espera,
Pergunta dolorido
Um pae a Deus: se accaso lhe valera
Seu filho ter nascido!...
Emfim é lei, e a lei, ideal supremo
Bemdicto e sublimado,
Fará com que passemos d'este extremo
Do mal, ao Bem sonhado!...
De Deus a Idéa amplissima, infinita,
Qual filha ao lar paterno,
Em torno a Deus explendida gravita,
No seu percurso eterno!
E tal como do cahos pavoroso,
Que a custo eu mal devasso,
Surgio mais tarde o mundo esplendoroso,
Que rola pelo espaço!
E á eterna luz dos soes no firmamento,
Celeste peregrino,
Caminha sem cessar no seguimento
D'um Ideal Divino:
Assim o coração febril se arrasta,
Na sua lucta immensa,
Atraz do Bem Supremo, e tanto basta
Por base á minha crença!...
Buscando o summo Ideal por entre antitheses,
Fazendo e desmanchando:
O espirito concebe as largas syntheses
De Deus, de quando em quando!
Ao fim de cada qual resurge a Vida,
E muda os moldes velhos
Por outros que se ajustam á medida
Dos novos evangelhos!...
Sobre isto a historia offerece-nos exemplos!...
Os criticos deparam
Co'os netos desmachando um dia os templos,
Que seus avós sagraram!...
D'ahi os odios vãos de fanatismo;
Os multiplos revezes,
Que assolam as nações co'o cataclysmo
Das crenças muitas vezes!
Quem do alto vé, no entanto, a historia humana,
Contempla sorridente
A marcha dos destinos porque emana
D'um Pae ommisciente!
Passem nos ceus, com rapidez tamanha,
Os astros diamantinos;
Que a terra os segue; a terra os acompanha
Eguaes são seus destinos!...
Aquillo que ha de vir e que deriva
D'aquillo que hoje somos,
Que em si contém do Eterno a parte viva,
Nos filhos o depomos!...
Os filhos são da arvore da vida
A flôr dos novos fructos,
A quem de Deus a essencia é transmittida,
Com os seus mil attributos!
E os paes então o fructo assasonado,
Já proximo da queda;
Com elles cae a parte do Passado
Que é morta, e Deus arreda!
E quem nas leis divinas confiando,
Á fulgida seara
Do bem se consagrou, não morre quando
Dos vivos se separa!...
Contente desce em paz á sepultura,
Na crença de que os filhos
Verão mais tarde em plena formosura
Dos sonhos seus os brilhos!
Na marcha ascencional da humana historia,
Que a mão de Deus conduz,
O filho entrou na Luz que é transitoria,
O pae na eterna Luz!...
Á farta os vermes seu cadaver róam
Na campa onde se esvae!
Sua alma triumphante e os soes entoam
Hossana a Deus que é Pae!
Abril de 1898.