AQUELLE DIA!
Autor: Bulhão Pato on Saturday, 2 February 2013
Jámais me ha de esquecer aquelle dia!
Do meigo outono a pallida folhagem
Inda os troncos do bosque revestia.
Sereno estava o ceo; doce a bafagem;
De toda a natureza
Infinita saudade respirava;
Mas por essa tristeza
Feliz o coração se dilatava!
Feliz, ai! tão feliz qu'inda á lembrança,
D'esses dias de amor e de ventura,
De paz e de esperança,
Se anima, e vê sorrir na noite escura,
Um reflexo da estrella resplendente
Que uma vez lhe brilhou serena e pura;
Inda a sombria nevoa do presente
Se rarefaz, se esvai, e se illumina
Tudo a seus olhos de uma luz divina!
Oh! tu lembras-te bem d'aquelle dia!
Nem o lento correr de tantos annos,
Nem as tardias horas que vieram
Depois cheias de amargos desenganos,
O encanto desfizeram
Da inspirada, divina poesia,
Que elle continha em si, que elle nos deu,
E nós guardmos como um dom do ceo!
Era ermo o logar, ermo, mas bello!
Profunda a solidão! De quando em quando,
Escutava-se o cantico singelo,
Da estrangeira avesinha que buscando
O sol do nosso inverno,
A voz desfalecida ia soltando
Com saudades do _ninho seu paterno_.
No extasi ideal do sentimento,
Tu volvias os olhos silenciosa,
Para o sereno azul do firmamento;
E da boca formosa,
Reprimir um suspiro em vão tentavas!
É que nesse momento,
Exausta a escala do prazer, anciosa
Uma nota na dor emfim buscavas!
Nas nossas almas existia um mundo
De indefenito amor;
Do pelago profundo
Onde ruge o furor
Insano, concentrado, atroz, maldicto,
D'esta cruenta guerra
Das ambições da terra,
Nem uma maldição, um som, um grito
Nos vinha perturbar!
Era a amplidão do ceo, a solidão da serra,
Ao longe... a voz do mar!
Depois como se a mão da Providencia
Inundasse meu ser naquelle instante
Da luz de outra existencia,
Julguei ter visto a origem fulgurante,
De onde provém a chamma
D'este immortal amor que nos inflamma!
Á ideia então da morte
Sentia-me sorrir; porque na hora,
Que nol-a desse a sorte,
Brilhava para nós serena e pura
Essa immortal aurora,
Que reluz nos umbraes da sepultura!
Iriam nossas almas,
Já livres de martirio,
Colher as flores e mimosas palmas
Que vicejam no empyreo!
Tudo em fim acabou! a noite escura,
Envolvera em seu manto aquelle dia!
E de tanta poesia
Que resta para nós? uma saudade,
E a esperança que um dia essa ventura
Nossa outra vez será na eternidade!
Agosto de 1858.Género: