AQUELLE DIA!

 

      Jámais me ha de esquecer aquelle dia!
      Do meigo outono a pallida folhagem
      Inda os troncos do bosque revestia.
        Sereno estava o ceo; doce a bafagem;
        De toda a natureza
      Infinita saudade respirava;
        Mas por essa tristeza
      Feliz o coração se dilatava!

      Feliz, ai! tão feliz qu'inda á lembrança,
      D'esses dias de amor e de ventura,
        De paz e de esperança,
      Se anima, e vê sorrir na noite escura,
      Um reflexo da estrella resplendente
      Que uma vez lhe brilhou serena e pura;
      Inda a sombria nevoa do presente
      Se rarefaz, se esvai, e se illumina
      Tudo a seus olhos de uma luz divina!

      Oh! tu lembras-te bem d'aquelle dia!
      Nem o lento correr de tantos annos,
      Nem as tardias horas que vieram
      Depois cheias de amargos desenganos,
        O encanto desfizeram
      Da inspirada, divina poesia,
      Que elle continha em si, que elle nos deu,
      E nós guardmos como um dom do ceo!

      Era ermo o logar, ermo, mas bello!
      Profunda a solidão! De quando em quando,
      Escutava-se o cantico singelo,
      Da estrangeira avesinha que buscando
        O sol do nosso inverno,
        A voz desfalecida ia soltando
      Com saudades do _ninho seu paterno_.

      No extasi ideal do sentimento,
      Tu volvias os olhos silenciosa,
      Para o sereno azul do firmamento;
        E da boca formosa,
      Reprimir um suspiro em vão tentavas!
        É que nesse momento,
      Exausta a escala do prazer, anciosa
      Uma nota na dor emfim buscavas!

      Nas nossas almas existia um mundo
        De indefenito amor;
        Do pelago profundo
        Onde ruge o furor
      Insano, concentrado, atroz, maldicto,
        D'esta cruenta guerra
        Das ambições da terra,
      Nem uma maldição, um som, um grito
        Nos vinha perturbar!
      Era a amplidão do ceo, a solidão da serra,
        Ao longe... a voz do mar!
      Depois como se a mão da Providencia
      Inundasse meu ser naquelle instante
        Da luz de outra existencia,
      Julguei ter visto a origem fulgurante,
        De onde provém a chamma
      D'este immortal amor que nos inflamma!

        Á ideia então da morte
      Sentia-me sorrir; porque na hora,
        Que nol-a desse a sorte,
      Brilhava para nós serena e pura
        Essa immortal aurora,
      Que reluz nos umbraes da sepultura!
        Iriam nossas almas,
        Já livres de martirio,
      Colher as flores e mimosas palmas
        Que vicejam no empyreo!

      Tudo em fim acabou! a noite escura,
      Envolvera em seu manto aquelle dia!
        E de tanta poesia
      Que resta para nós? uma saudade,
      E a esperança que um dia essa ventura
      Nossa outra vez será na eternidade!

Agosto de 1858.
Género: