Balfusca

Parece que já vivi duas vidas muito diferentes, a do campo e a da cidade, a de miúdo e a de adulto. Lembro-me da primeira, ainda consigo ver os pequenos caminhos que nos levavam aos ribeiros, aos poços, às searas e às florestas.

A casa da minha avó ficava junto a um ribeiro. Podia pescar pequenos peixes, enguias e por vezes solhas de água doce; podia nadar, mergulhar de cima de uma nespereira e caminhar na rua dos buchos.

Por vezes ia até à balfusca, uma floresta muito densa com acácias, pinheiros e choupos. Na balfusca existia uma acácia única, era enorme mas podia trepa-la até ao cume sem qualquer dificuldade, os seus ramos eram como escadas. Lá do alto via a ribeira e as fontainhas, também podia ver garças brancas, gaios, pegas rabudas, águias de asa redonda e peneireiros.

Com o aproximar da noite sentia o cheiro das raposas que iniciavam as suas caçadas. Nessa altura caminhava lentamente para casa na esperança de ver mais bichos; chegava ao largo da quinta ao por do sol, exatamente no meio ainda existe a enorme tília; em frente ficava um lago rodeado de canas da Índia, o lago da azenha. Nesse momento chegavam centenas de pardais que chilreavam sincronizadamente, hora fazendo muito barulho, hora calando-se repentinamente, era um ritual mágico com hora marcada.

Ficava ali parado a ouvir os pássaros até a minha avó me chamar para jantar.

MS

(15/11/2014)

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