BALLADA DA NEVE
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
_A Vicente Arnoso_
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas ha pouco, ha poucochinho,
Nem uma agulha bolia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve cahia
Do azul cinzento do ceu
Branca e leve, branca e fria...
--Ha quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a atravez da vidraça.
Poz tudo da côr do linho.
Passa gente e quando passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses signaes
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pézitos de creança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vel-os
Primeiro bem definidos,
--Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguel-os!...
Que quem já é peccador
Soffra tormentos, emfim!
Mas as creanças, Senhor,
Porque lhes daes tanta dôr?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim prêsa.
Cae neve na natureza...
--E cae no meu coração.