BRETON, André - Filósofos Modernos e Contemporâneos

BRETON, ANDRÉ

(O Surrealismo)

1896 – 1966

Antes de prosseguirmos será oportuno registrar que BRETON não é considerado por alguns eruditos mais ortodoxos, um Filósofo no sentido estreito da palavra, em razão de seu trabalho não ter seguido as diretrizes habituais da disciplina.

E, de fato, ele nunca teve o propósito de investigar A Verdade, A Essência, O Conhecimento e outros temas que normalmente são relacionados à matéria. Tampouco se propôs a encontrar as respostas para as chamadas Dúvidas Existenciais”.

Porém, ao retratar, ou representar o caos a que a humanidade havia chegado (que naqueles anos se matava cruelmente nas enlameadas trincheiras da Primeira Guerra Mundial) ele exerceu com genialidade a mais pura Filosofia, na medida em que a sua arte (assim como a de quem lhe seguiu) lidava diretamente com as questões filosóficas que se abrigam sob os títulos de: Ética e Estética.

Com a nova Estética, ele denunciava a falta de Ética retratada pela hipocrisia e caducidade de uma escala de valores injusta, maldosa e preconceituosa que produzia e justificava aquele tipo de violência insana.

Denunciou em cores fortes, em versos vigorosos e com imagens disformes, a decadência dos paradigmas e a caduquice das Verdades Estipuladas, ou Sagradas.

Através da investigação cultural e do oferecimento dessa nova Estética, ele colocou a sua habilidade artística a serviço da humanidade em sua eterna busca por dignidade.

E para dar conta de tarefa de tamanha magnitude, valeu-se de seu intelecto superior e criou o movimento que por décadas norteou os rumos das artes e dos pensares e que, ainda hoje, contribui efetivamente para a criação de cultura e de reflexão.

Criou uma nova Realidade, ou como alguns preferem um novo Realismo. Criou o Surrealismo.

Isto colocado, vê-se que as opiniões da ortodoxia filosófica que lhes eram contrárias perdem o sentido, pois ao se estudar o Surrealismo, estuda-se mais que um movimento, mais que uma corrente artística. Estuda-se o Pensamento do homem, inclusive em sua deformidade. Em sua maldade.

Notas Biográficas

Andre BRETON nasceu em uma família modesta, a qual, apesar das dificuldades, conseguiu lhe dar meios para que se formasse em Medicina.

Todavia, a arte de curar não lhe entusiasmou, pois já lhe era imperiosa a inclinação para a Literatura em geral e a Poesia em particular.

Convocado para o Exército, na função de enfermeiro, serviu em Nantes, França, no ano de 1916 e ali conheceu JACQUES VACHÉS* que teve uma influência decisiva em seu ideário, ao diminuir-lhe o fascínio pela poesia de PAUL VALÉRY, enquanto lhe aguçava o senso critico e a compreensão da importância do chamado “humor negro” enquanto instrumento de protesto.

NOTA do AUTOR – Jacques Vachés era filho “espiritual” de Alfred Jarry, que se caracterizava pelo sarcasmo e pelo niilismo, até falecer aos 24 anos de idade, provavelmente através de suicídio.

Em 1919, junto com LOUIS ARAGON e PHILIPPE SOUPAULT, fundou a Revista “Littérature” e iniciou uma sólida amizade com o Poeta TRISTAN TZARA que fora o fundador do Movimento Cultural denominado “Dadá, ou *Dadaísmo”.

*Dadaísmo – Movimento Literário lançado em 1916, pelo escritor franco-romeno Tristan Tzara. Seu principio fundamental era o apelo ao subconsciente e o repúdio aos padrões racionalistas, com o abandono da sintaxe tradicional, na tentativa de captar e expor a pureza das emoções inconscientes, sem a censura da Razão, ou da Racionalidade. Foi o antecessor do “Super Realismo”, ou “Surrealismo”.

A aproximação com o Dadaísmo deu a BRETON o rumo definitivo a ser seguido.

E o Surrealismo, que já estava germinando, veio à luz com a promulgação da “Escrita Automática (mecânica, inconsciente, livre das amarras formais da sintaxe racional) e com a publicação da sua obra-prima, o “Primeiro Manifesto do Surrealismo”, em 1924.

A partir daí, já renomado, juntou à sua volta um grupo de importantes eruditos e artistas que lhes compartilhava as ideias artísticas e políticas. Dentre outros integrantes desse grupo, vale citar: PHILIPPE SOUPAULT, LOUIS ARAGON, PAUL ÉLUARD, RENÉ CREVEL, MICHEL LEIRIS, ROBERT DESMOS e BENJAMIN PÉRET.

Contudo, a fama não lhe bastava para as despesas e ele teve que ganhar a vida vendendo quadros em sua galeria de artes.

Em 1922 entrou para o Partido Comunista Francês, por influência dos companheiros e com a intenção de juntar as ideias de RIMBAUD (sobre como mudar a vida) com as de KARL MARX (sobre como transformar o mundo) para criar um novo sistema político e social mais justo e humano. Mas a sua carreira de militante não avançou e em 1933 ele foi excluído da Instituição.

Entrementes, seu entusiasmo impulsionava vigorosamente o Movimento Surrealista que em pouco tempo já abrangia a todas as formas de arte, questionando em profundidade o pensamento humano e a maneira de como o homem enxerga aquilo que o rodeia.

Contudo, o sucesso que fazia a Corrente Surrealista (com a sua inesgotável e lúcida insubordinação ao Academicismo e a sua rebeldia cívica), começou a despertar o ódio das camadas mais Conservadoras.

E o temor de que disso resultasse uma covarde perseguição pelo “Governo Colaboracionista de Vichy” levou BRETON a se refugiar nos EUA de 1941 até 1946.

 Findo o exílio e de volta à sua Paris natal, BRETON continuou a trabalhar em seus projetos e na consolidação de suas ideias até ser alcançado pela morte.

Ao mundo deixou como legado uma nova forma de ver e de entender a realidade. Poucos conseguiram tal proeza e, por isso, seu nome continua a ser um dos mais importantes para a Filosofia Contemporânea, tanto no quesito da Estética, quanto no campo da Ética.

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O SURREALISMO

(“Super Realismo”, “Supra Realismo” e na Literatura “Automatismo”).

Como é sabido, o Surrealismo não se concentrou em uma apenas uma forma de Arte.

Suas principais características espalharam-se pelos vários modos artísticos, como veremos adiante. Características que podem ser citadas como o desprezo pelas construções ordenadas, organizadas, lógicas e pelo constante chamado ao inconsciente, aos sonhos, à irracionalidade visando com isso à renovação total dos valores artísticos, morais, políticos e filosóficos.

Antes disso, porém, é oportuno registrar que ao contrário do que diziam e dizem os seus adversários e críticos, BRETON nunca vestiu a fantasia de chefe ou líder do movimento como apregoaram falsamente aqueles que ironicamente o apelidaram de “Papa do Surrealismo”.

Apesar de ter sido a mais importante influência e figura do movimento, ele nunca se colocou como proprietário do mesmo.

Até mesmo por uma questão de coerência, haja vista que qualquer ideia de hierarquia, ordem, organização ou quejandos seria visceralmente contrária aos ideais da Corrente e às suas próprias convicções, pois toda presunção de constranger, regulamentar ou normatizar causava-lhe a mais profunda e genuína aversão e revolta.

Afinal, segundo suas próprias palavras: “a vida verdadeira está ausente, já dizia Rimbaud. Este será o instante a não deixar passar para lhe reconquistar. Em todos os domínios, eu penso que será necessário aportar esta busca com toda audácia e desprendimento de que o homem seja capaz”.

Outro aspecto a ser mencionado é o relativo ao comportamento pessoal dos adeptos do movimento, que, como se poderia esperar, chocava à Sociedade por se caracterizar pela total irreverência e pelo absoluto desprezo às normas que até então eram tidas como “civilizadas e de bom-tom”.

E exatamente por denunciarem a hipocrisia existente nas relações sociais da burguesia, os Surrealistas conquistaram vários adversários e até inimigos, mas a semente que plantaram vingou de tal modo que mesmo os mais empedernidos tiveram que arrefecer seus ataques por conta da popularidade que a Corrente adquiriu.

Todavia, ainda hoje, o termo Surrealismo é empregado em sentido pejorativo para caracterizar uma suposta “Arte secundária”.

Um ledo engano é claro, pois a qualidade daqueles precursores e dos que lhes seguiram apontam em sentido totalmente contrário, fortalecendo, assim, a visão de que ao Artista cabe representar a Realidade conforme ele a sente e conforme os homens a constroem. Caso contrário, só se teria uma coleção de frias fotografias.

 Na sequência exporemos a produção intelectual de BRETON e, depois, a de alguns dos intelectuais e artistas que lhe se seguiram.

Ensaios:

1.   Primeiro Manifesto do Surrealismo, 1924.

2.   O Surrealismo e a Pintura, 1928 e 1965.

3.   Segundo Manifesto, 1929.

4.   Antologia de I’Humor noir*, 1940.

5.   Prolegômenos a um Terceiro Manifesto, ou não – 1942.

6.   Flagrante Delito (BRETON denuncia como falso um suposto manuscrito de Rimbaud), 1949.

Poesias e Textos Poéticos:

1.   Mont de Piété, 1919.

2.   Clair de Terre, 1923.

3.   Nadja, 1928 e 1963.

4.   Os Vasos Comunicantes, 1932.

5.   Point de Jour, 1934.

6.   Perfume no Ar, 1936.

7.   O Amor Louco, 1937.

8.   Martinica, encantadora de Serpentes, 1941 e 1943.

9.   Arcano 17, 1944.

NOTA DO AUTOR O Humor Negro – é um elemento de importância relevante no Ideário de BRETON e no Surrealismo em geral. A “cínica” negação da Realidade é o fundamento do mesmo, que assume o “papel único de válvula de escape”; ou seja, ante o terror absoluto de uma situação que não pode ser alterada, nega-se a existência da mesma utilizando-se o artifício da tragicomédia – “seria cômico se não fosse trágico”, tal é o absurdo cometido, ao arrepio dos mais comezinhos princípios éticos. Com esse artifício, a “válvula de escape” impede a explosão de horror total perante o fato, o que poderia levar a casos extremos, como, por exemplo, o do suicídio. Isso, aliás, explica o porquê de tal conceito ter sido criado e lançado à luz em 1939 através da “Antologia do Humor Negro”, como a única resposta possível à brutalidade da Guerra Civil Espanhola e a capitulação do País ante a ditadura de Franco, com o apoio dos Nazifascistas. Bem como, diante da derrocada de grande parte da Europa que já sucumbira às forças alemãs. O amor à vida, à liberdade naquelas condições soava, pois, como uma trágica comédia, onde só se pode rir (com toda amargura inerente ao fato) do “absurdo” de ainda se manter alguma esperança, quanto tudo conspira contra. A insensatez de se rir de uma desgraça.

SURREALISTAS

Artes Plásticas

Salvador Dali, cuja obra se caracteriza pela distorção e pela justaposição de imagens conhecidas.

Joan Miro e Max Ernst – autores de telas hipercoloridas e delineadas com linhas leves e fluidas.

Literatura

Andre BRETON e Paul Éluard, autores que rejeitaram o Romance e a Poesia tradicionais por representarem os valores burgueses. Compuseram suas obras com a livre associação de ideias, frases montadas, palavras recortadas de outras publicações e imagens evocativas das ideias e dos processos do Inconsciente, desprezando qualquer tipo de organização, seja textual, seja semântica, seja sintática.

Cinema

Luiz Buñuel (em parceria com Salvador Dali), cuja obra se caracterizou pelo total descompromisso com roteiros, histórias, enredos e pelo vigoroso combate aos ideais burgueses, bem como pelo constante apelo às imagens cruas, inusitadas e saltadas do Irracional, onírico, inconsciente. O célebre filme “O Cão Andaluz”, de ambos, reflete à perfeição essa nova estética.

Teatro

Antonin Artaud, criador do chamado “Teatro da Crueldade” cuja proposta era livrar o espectador das regras sociais da burguesia e despertar o Inconsciente da platéia. A união entre o palco e o público vinha, nesse sentido, eliminar a barreira entre atores e espectadores, entre o Discurso e o Ouvinte. Em seu livro “O Teatro e o seu Duplo”, Artaud expõe essa concepção em detalhes.

SURREALISMO no BRASIL

O Movimento Surrealista fez-se presente no país a partir de 1922 com a célebre Semana de Arte Moderna. Os quadros Abapuru de Tarsila do Amaral e Nu de Ismael Nery são dignos exemplos dessa nova Linguagem.

 

Produção de TAIS ALBUQUERQUE, desde o Rio de Janeiro, no Outono de 2013.

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