CARTA: _Desculpando-se o Author de não ir a huns Annos_.
Senhora, em honra do Dia,
Esforçando a mão pezada,
Tómo a Lyra, ha longo tempo
Ao silencio consagrada;
E em quanto lhe alimpo as cordas,
Que bolor aos dedos dão,
E atarantadas aranhas
Despejando o bêco vão;
C'os olhos ao ar alçados
A' minha Muza pedia
Me désse sonóros Versos,
Dignos de Apollo, e do Dia;
Que me ensinasse a louvar
O ditozo Nascimento,
Que ao vosso brilhante Séxo
Trouxe mais hum ornamento;
Que pintasse a loira Venus
Vosso rosto bafejando;
Que me mostrasse as tres Graças
O rico berço embalando;
Que me ensinasse a cantar,
Cingida a testa de loiro,
Huns claros, triunfantes olhos,
Huns finos cabellos de oiro;
Que me fizesse augurar,
Rasgando ao futuro o véo,
Amor consagrando as settas
Nos Altares de Hymenêo;
Mas as Muzas, como as Ninfas,
Tem para mim os pés mancos;
Fogem de trémulas vozes,
Tremem de cabellos brancos;
Fiquei, pois, desamparado;
E merecendo desculpa,
De não vos mandar bons Versos,
Peco perdão, sem ter culpa;
Sei que devia ir pedillo
Respeitozo, e diligente;
Mas impede-me essa honra
Hum defluxo impertinente;
E quem em caza traz botas,
E vinte xaropes bebe;
E quando fahe, fahe mettido
N'uma loge de Algebebe;
Se fosse em tempo invernozo
Entrar na illustre Assembléa
Com leve, ingleza cazaca,
Fina, transparente mêa;
Sem acabar cumprimentos,
Logo o corpo arripiado,
Gelada a voz sobre os beiços,
Cahiria constipado;
E o Marcos largando os bules,
Pondo o Velho em quentes pannos,
Entre os applauzos dos vossos,
Praguejaria os meus annos;
Vossa bondade não quer
Pôr o Cortezão em risco,
De ir com Habito de Christo,
E vir no de S. Francisco;
Acceitai dahi meus votos;
Daqui a mão vos beijei;
E dos doces que não como,
Domingo me vingarei;
Darei escumantes copos
Ao perum, e aos môlhos seus;
Brindarei os vossos Annos,
Tratando mui bem dos meus.