CARTA: _A hum Camarista, tendo o A. sido despachado_.
A rara benignidade,
Que quiz o Ceo conceder-vos,
Permitta que de escrever-vos,
Tome eu hoje a liberdade;
Pois tendes tanta bondade,
Peço, nella confiado,
Que por mim ajoelhado,
E na bocca o coração,
Beijeis ao Principe a mão,
E lhe deis este recado.
=Dizei, pois, a Sua Alteza,
Que eu, seu humilde Afilhado,
Por elle ha pouco arrancado
D'entre os braços da pobreza,
Na simples, mas farta meza,
Entre os Irmãos, e os Parentes,
Aos Ceos, com votos ardentes,
Pedimos, que em paga justa,
Prosperem a Mão Augusta,
Que nos faz viver contentes:
E se entre as puras verdades,
Que Vós lhe podeis contar,
Virdes, que terão lugar
Algumas jovialidades,
Pintai-lhe as felicidades,
Que vai tendo a gente minha;
Dizei-lhe que na Cozinha
Ardem já montões de brazas;
Que em todas as minhas cazas,
Era a mais fresca, que eu tinha;
Que os enroupados Sobrinhos,
Affrontando o vento frio,
Vem todos mostrar ao Tio
Os seus novos jozésinhos;
Que então lhes conto, e aos vizinhos,
Por quem a roupa foi dada;
Que Mão, nunca assás louvada,
Mão Real, piedoza, e justa,
Me poz livre a Rua Augusta,[19]
Por varios crimes vedada;
[Nota de rodapé 19: Aonde se vende panno.]
Que hum Tendeiro, que os seus bens
Me fiava, dando arrancos,
Veio em barrete, e támancos
Dar-me logo os parabens;
Espera que os meus vintens
O fação tambem feliz;
Porque, segundo elle diz,
Ha de haver na sua Tenda
Mais sahida na fazenda,
E menos gasto no giz.[20]
[Nota de rodapé 20: Costumão marcar com giz o que dão fiado.]
Mas eu hum crime cometto,
Quando de ensinar-vos trato;
Quiz ser ao Principe grato,
Mas fui comvosco indiscreto;
Homem, como Vós, discreto
Não preciza formulario;
A Egoa do Seminario[21]
Me deve os rompões cravar,
Por eu querer ensinar
O Padre nosso ao Vigario.
[Nota de rodapé 21: Tinha alluzão particular.]