CARTA: _A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do Velho_.
Senhora, o Quadro pedido
Não estava retocado,
Mas brevemente o remetto,
Deixai isto ao meu cuidado;
Mostra os erros da velhice;
Põe alguns Velhos á raza;
Custou-me pouco a pintura,
Por ter as tintas de caza;
Que já hum Amigo o vio,
Eu, Senhora, vos confesso,
Porém mostrei-lho inda em calva
Como eu tambem lhe appareço
Vós sois de mais ceremonia,
E pezais com mais rigor;
Temi, que sem rir c'os Versos,
Só vos vissem rir do Author;
Tómo outra vez o pincel,
Vou-lhe pôr attenta mão;
Abençoarei meu trabalho,
Se lhe derdes protecção;
Pois que a deve o sangue illustre,
Tem dois direitos meu cazo;
Porque a peço a huma Fidalga,
Que o he tambem no Parnazo;
De tão alto voto espero,
Que geral favor me traga
A huns Versos, que antes de lidos
Tiverão tamanha paga.
Ao favor de mos pedirdes,
Honra, que eu não merecia,
Ajuntastes o thezoiro
De mos pedir em Poezia;
Que fáceis, que amenos Versos!
Trazem das Muzas o bafo;
A moral os faz ser vossos,
Que quanto ao mais são de Sapho;
Só na pintura dos annos
Errou essa mestra mão;
Porque inda que era em Poezia,
Foi puchar muito a ficção;
A doce, igual harmonia,
A imaginação fogoza,
Depuzerão contra vós,
E vos chamão mentiroza.
Se occulto, fyzico acazo
Branqueou huns fios de oiro,
Vosso vingador Apollo
Os cobre de mirto, e loiro;
Quem marcha ao lado das Graças,
Não sabe o que he fria idade;
Deixai-me dizer a mim
Essa funesta verdade;
He em mim que o voraz Tempo
Já empolgou a mão forte;
Se inda me mêcho em Poezia,
He já co'a ansia da morte;
Cedo raivozos Crédores,
A quem não curei as chagas,
Darão a meus frios ossos,
Em lugar de pranto, pragas;
E outros, a que a carapuça
Mesmo, sem mira, não erra,
Dirão com gosto ao Coveiro
=Enche-lhe a boca de terra.=
Mas tudo perdoaráõ
Minhas sepultadas cans,
Se de cypreste as cobrirdes
Vós, e as vossas oito Irmans.