CARTA: _Pedindo-se ao Author huma Gloza_.
Menino, dizer finezas,
Só o proprio Pertendente;
Amor não póde imitar-se,
Só o pinta quem o sente;
Se adora alguma Nerina,
Se he para ella a tal Gloza,
Que vão fazer os meus Versos,
Onde está a sua proza?
Além disso, essa figura,
Faces tenras, e córadas,
Fallão mais discretamente,
Que mil Cantigas glozadas;
Lenço nas pontas bordado,
Cipó, tízicas fivellas,
Sobre hum corpo assim talhado,
Se eu gósto, que farão ellas?
Versos são mui fracas armas
Para vencer corações;
He clara a letra redonda,
Leia a vida de Camões;
Sua divina Poezia
Teve mui curtos poderes;
Tratarão-no mal os homens,
E inda peior as mulheres;
Pois entra de amor na estrada,
Siga nella outro farol;
Embuce-se a huma esquina,
Soffra chuva, soffra Sol;
Erga alli o Altar do Amor;
Queime alli humilde incenso;
Suba ao alto do capote
Branco, alcoviteiro lenso;
Que importa que os Çapateiros
Dem assobio insultante,
Se os negocios vão marchando
Com passadas de Gigante?
Cem vezes na mesma tarde
Pize esbelto a feliz rua;
Alheias cadeias de aço,
Relogio de hollanda crua;
Vá por aqui, que por Versos
Dá em vão loucas passadas;
São divertimento inutil,
São as historias das Fadas;
Inda que para cantallos
Lhe désse Garção a Lyra,
Como hão de crer-lhe verdades
Na linguagem da mentira?
Seja acérrimo chorão;
Pranto entendem raparigas;
Faça em lagrimas seu fundo,
E não o faca em Cantigas;
Palêe co'estes remedios,
Pois não tem o verdadeiro;
He elle (aqui em segredo)
O mílagrozo dinheiro;
Mas se teima em pedir Versos,
E conselhos não supporta,
Então perdôe, meu Menino,
Póde bater a outra porta.