CARTA: _Tendo mandado huma Senhora ao Author Vinho da Madeira com huma Carta em boa Poezia_.
Hum humilde admirador
Da vossa bondade, e estilo,
Beija a Carta precioza,
Que veio honrallo, e instruillo;
Desde hoje, do Mestre Horacio
Minha alma a lição escuza;
Quiz a minha Bemfeitora
Ser tambem a minha Muza;
De fino licor mandastes
A minha cava prover;
A vossa mão generoza
Sabe dar, como escrever;
A' parca meza assentado,
Em Vinho, e Carta pegava;
Hia bebendo, hia lendo,
E tudo me embebedava;
Deixo o velho Anacreonte,
Hoje mettido a hum cantinho;
Sua meza nunca teve
Tão bons Versos, tão bom Vinho;
Se os teve, Vós o roubastes
Por minha felicidade;
Já cá tem o Vinho, e os Versos
Quem delle só tinha a idade;
Das escumas do Madeira
Vejo nascer a alegria;
Com as azas affugenta
A minha melancolia;
Já se perturba a cabeça;
Já tenho emprestadas cores;
Já começão a esquecer-me
As molestias, e os Crédores;
O tal Horacio enganou-se;
Não conhecêo a parreira;
Não se chamava Falerno;
Se era bom, era Madeira;
He bom, mas tira o juizo;
Mandai-mo, em vez de o beber;
Não se arrisque neste jogo
Quem tem tanto que perder.