Certas Coisas
TEMPO DE RECOMEÇAR
Eu recomeço, como o sol, a cada dia,
Eu recomeço de onde parei,
Da última esquina que passei,
saltando os vagões da ferrovia,
Eu recomeço sem tédio e sem dor,
Eu recomeço sentindo o sabor,
Como o luar que enfeita a madrugada,
Sem traumas, sem truques, sem mágoas,
Eu recomeço em cada canto de passarinho,
Em cada telha, em cada ninho,
Em cada pão, em outro vinho,
Em cada braço que me abraça,
Eu recomeço numa cantiga de criança,
Na velha estrada, nova esperança,
Na selva, na terra, no teu jardim,
E nas flores que você guardou pra mim
Eu recomeço hoje, agora, neste momento,
No sopro...Nas folhas rasas embaladas pelo vento,
Na cena, na sombra, num raio de luz,
No teto, na porta aberta, no encanto que seduz,
Eu recomeço no perfume da primavera,
No som do silêncio, ouvindo uma canção,
Pelo passo, pelo rastro, pelas ruas e calçadas,
Eu recomeço de onde não existe nada,
Eu recomeço na teia, no canto da parede,
No amarelo, no preto, no cinza e no verde,
Nos olhares perdidos, sem guias, sem direção,
No sangue correndo nas veias, batidas do coração,
Eu recomeço no sonho, no céu, ou muito além,
No meio da madrugada, de onde não vem ninguém,
Eu recomeço da semente e do último beijo que dei,
Eu recomeço, de onde parei... Da última esquina que passei.
Walmir Reinhardt