CHARLES BAUDELAIRE

Charles tenebroso dessas noites dolentes,
Quem és tu que vem por um suspiro,
Reinar sobre todas as almas eloqüentes,
Iludir-nos tal qual nos olhos, um colírio?

Poeta assombroso de destino fatal,
Cantas as mais sinistras e horrendas paisagens...
Menestrel perfumado co`as flores do mal,
Cujo sonho supremo é ter lúgubres viagens.

Feldoso agente de uma macabra missão:
Encantar os que amam a última jornada;
Tu és rebelde, lutuoso é teu coração,
Vaga é para todos a tua caminhada.

O abismo te honra pela visão decadente,
Sem tua penumbra, ele seria o esplendor.
Charles tenebroso dessas noites dolentes,
Sem tua alquimia não haveria tanta dor.

Lamentas, entanto, a expulsão do paraíso,
Esta queda que te lancinou a esperança.
Curiosa seria a tarde que desse-me um sorriso,
Tua vida é um mistério de hostis tolerâncias.

Toleras a passagem do tempo impiedoso
- massa brumosa que se perde pelo caminho –
Bardo que toleras a angústia, tenebroso!
Toleras a decadência como teu próprio vinho.

Nada te alegra, mas que destino cruel...
És incapaz de amar, filho do platonismo.
Serás eternamente o mais culpado réu,
Expulso e longe das glórias do cristianismo.

Para ti, viver é um antro sem solução.
Talvez ainda tenha algum amor fraternal;
Amor é conviver com a putrefação.
Amor se faz do aroma das flores do mal.

Tu, que aguardas assiduamente a sombra plena
Da etérea senhora de olhares esquivantes,
Esperas mais de que rouquejantes novenas,
Melhor para teu fim é uma cova toldante

Que a alma desse vinho te venha soberana
E as velas se apaguem ao vir por um suspiro,
Bem longe daqui, tua alma sorrirá ufana...
Por ter tanto desânimo, Charles, te admiro.

E desde a expulsão sofre na descrença
De ser mais que um soez poeta mortuário.
Teu sonho é sair deste corpo de dolência
E vagar rumo ao infinito, ao fausto cenário.

Tu és a obsessão pelo nada, és o veneno
Teu olhar tem o refulgir do céu nublado;
Baudelaire, um fantasma singular e obsceno...
Charles, um revel pecador inconformado.

Charles Baudelaire (1821/1867)

POEMA ESCRITO EM 02/2002

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