Contas de rezar
A Maria dos Prazeres
Mizericordia dos mares!
Que escrevi para tu leres,
Que eu fiz para tu rezares!
Maria dos Prazeres. Antonio sem Elles.
Maria é! Violeta da Humildade
Onda do mar das Indias! sempre triste!
Porque andará tão triste nessa idade
Se o Deus em que ella crê para ella existe?
Maria é! Violeta da Humildade!
Onda do mar das Indias! tão modesta
E tão grande que ella é! Que dôr funesta
A faz andar tão triste nessa idade?
E eu digo ao vêl-a entrar, meiga e modesta,
Na Igreja, quando ajoelha e se persigna:
«Parece incrivel faça parte d'esta
Humanidade mentiroza e indigna!»
Quanto ella é Santa! quanto ella é boa!
Até tem dó e compaixão por mim...
Mal diria eu que a tragica Lisboa
Tinha em seus muros uma Santa assim!
Ella nasceu para assistir ás guerras
Ella nasceu p'ra atravessar os mares
Ella nasceu para ir a longas terras
Ella nasceu para proteger os lares!
Ella nasceu para ir com portuguezes,
Ao que a vida arriscou, sarar-lhe as feridas,
Com remedios, ao pé, mezes e mezes,
Ou dar-lhe a uncção com suas mãos compridas!
Ella nasceu para levar comsigo
Um exercito leal, mystico e forte.
Ser a ultima a dobrar ante o inimigo
E a primeira a morrer, sorrindo á morte!
Ella nasceu p'ra commandar armadas
Vestir a bluza azul dos marinheiros.
Morrer que importa? Sobre agoas salgadas
No immenso oceano não faltam coveiros!
Ella é formosa e grande entre as mulheres,
Sua doçura é toda de velludo...
Mas as respostas que dão malmequeres!
Tristes, Senhor! como na vida é tudo!
Quando ella passa toda côr de cera,
Devagarinho e de missal na mão,
Vae tão ligeira, lembra uma galéra
Que segue viagem de vento á feição!
Os seus olhos são negros e tão bellos
Que grandes são! têm penas disfarçadas...
Que são elles? Ogivas de castellos
Com duas meninas sempre debruçadas.
O seu cabello é negro e immenso e roça
Pelo chão, como a noite e a escuridade,
Aparta-o ao meio assim... Parece Nossa
Senhora, quando tinha a sua idade!
A sua voz baixinha vem da alma,
Tudo o que ha nella é do que eu gosto mais.
É assim que falla a aragem pela calma
Quando mareantes pedem temporaes.
Vozes assim só se ouvem no convento
Á oração em silencio habituado,
Que Deus entende a voz do Pensamento:
Póde fallar-se a Deus e estar callado!
Os seios lembram duas pombas gemeas
No seu ninho a dormir, muito quietinhas.
Amor, protege o somno d'ellas, teme-as,
Não acordes as pombas coitadinhas!
Que dizer do seu corpo esbelto de aza!
Tão delgado, onde passa o seu annel?
É o mais lindo Torreão da sua Caza!
É uma náu da India, a _S. Gabriel_.
Os seus braços são debeis! mas exaltam
E sustentam em mim toda a Esperança!
Os seus braços, Senhor! são os que faltam
A certa Venus que se admira em França!
O seu sorrizo é o sol, quando apparece,
Vêl-a sorrir é vêr o sol cantar;
Mas o seu habitual, ai não se esquece!
É o sol ás tardes quando cahe no mar...
A sua bocca é uma romã vermelha,
Mostrando em rizos os seus grãos de opala.
Favo de beijos, que dá mel á abelha,
A sua bocca é uma flôr com falla!
Lisboa, 1898.