CONTEMPLAÇÃO
Por longas horas na silente noite,
quando a dormência inda não o embala
contemplativo o seu olhar repoisa
naquela imagem muda em sua sala.
Em meio ao fumo do cigarro amigo,
que como nuvens a brisa modela
seu pensamento no brilho vagueia
da lua argêntea sobre aquela tela.
Súbito morre da garrafa o vinho
e nem percebe o pintor solitário.
Por longas horas seus olhos fulguram
na escuridão de seu ermo cenário.
Perante o encanto daquela pintura,
da bela musa em sua vida ausente,
tão graciosa qual um belo anjo
que em seus sonhos voa docemente.
Ele pranteia pelos quedos traços,
pelo mutismo da linda morena
que lhe sorri na tela deslumbrante,
que lhe acompanha na noite serena.
Como é triste seu suspirar profundo,
esse fervor do peito que se inquieta,
quando deseja essa grácil mocinha,
que em seus delírios o lembrar projeta.
E o olhar dela, negros e delicados,
também lhe expia com certo fulgor.
Por que não foi o seu pincel solene
mais que um pincel na mão de seu pintor?
Por que não veio embelecer seu lar,
quem lhe inspirou a arte tão altiva?
E sem pousar para o pintor tristonho
mesmo na tela parece tão viva!
Tudo adormece na noite deserta,
dorme o pintor na amena madrugada
aos olhos álacres da fria lua,
aos olhos frios de sua alegre amada.
ALEXANDRE CAMPANHOLA - 09/07/2015