*DEBAIXO DAS HERVAS*

Podesse ir eu comtigo que m'encantas
Como um vinho, no pó da terra dura,
Dormir ambos na mesma sepultura,
Entre os braços das hervas e das plantas?

Dormir no mesmo leito, e a mesma cova
Sentir os nossos pallidos abraços,
De noite, quando branca nos espaços,
Nas hervas desmaiasse a lua nova.

E aquellas tristes cousas que disseram
Os meus olhos nos teus, adormecidos,
Dizel-as outra vez, já confundidos
Na poeira d'aquelles que morreram.

Sentir, meu bem, de novo, as tuas tranças,
Com que tu tantas vezes me vestiste,
Enlaçarem-me ainda, á hora triste,
Em que os astros reluzem como lanças.

E entre as hervas da terra, e os acres cheiros
Dos cyprestes, dizer as cousas mil
Que diziamos, ó triste! quando abril
Fazia colorir os teus canteiros.

E debruçada estavas á janella
Nas horas religiosas do Poente,
Como a mãe que anciosa e docemente,
Espreita no horisonte a amada vella.

E quando íamos depois as nossas magoas
Contarmos, pelo espesso das folhagens,
Cabellos desmanchados nas aragens,
E entre as vozes das folhas e das aguas.

E todas essas cousas que me dizes,
Quando estás debruçada na costura,
E que inda nunca ouviu a terra dura,
E que chorar fariam as raizes!

E eu quizera que o lenho do cypreste,
--Marco escuro da terra que nos come!
Enlaçado tivesse o nosso nome,
Como um lenço bordado que me déste!

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Podesse ir eu comtigo, que m'encantas
Como um vinho, no pó da terra dura,
Dormir ambos na mesma sepultura,
Entre os braços das hervas e das plantas!

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Belíssimo poema!... Fiquei encantado com toda a construção. Um alívio para a alma. Um deleite. Por falta de competência, minha, sem mais..rs...