DELEUZE, Giles - Filósofos Modernos e Contemporâneos

DELEUZE, Gilles

1925 – 1995

 

Notas biográficas e o resumo de seu pensar.

Nascido em Paris, onde passou a maior parte da vida, DELEUZE é reputado como um dos filósofos mais importantes da contemporaneidade por ter dedicado seus talentosos esforços para esclarecer as noções superiores da Filosofia, que é, segundo ele, um processo contínuo de “Criação de Conceitos*” e não só uma tentativa de descobrir e de refletir a “Verdade do Mundo e da Vida”.

NOTA do AUTOR – Conceitos - definições precisas e exatas sobre uma palavra, uma coisa, um Ser etc.

A maioria de sua obra enfoca a “história do pensamento filosófico”, mas ao contrário de outros eruditos, ele não se propôs a desvendar “A Verdade” que cada Filósofo estudou. Tampouco buscou revelar o “verdadeiro NIETZSCHE, ou SARTRE, ou PLATÃO etc.”.

Em vez disso, visou ofertar uma nova forma de se analisar os Conceitos que cada um deles emitiu acerca de determinado tema.

E oferecer uma nova visão sobre como foi o processo de produção das ideias do Pensador analisado, abrindo, desse modo, novas rotas para o próprio pensamento.

Outro ponto fundamental de seu trabalho foi à parceria com o psicanalista FÉLIX GUATTARI (França, 1930/1992) que aproximou as duas disciplinas e, também, a sua contribuição à Literatura, Arte e Cinema.

DELEUZE estudou filosofia na universidade de Sorbonne, Paris, entre 1944 a 1948. Ali conheceu vários pensadores que se tornaram célebres, dentre os quais, pode-se citar Michel Butor, François Châtelet, Claude Lanzmann, Maurice de Gandillac, Jean Hyppolite.

A Carreira Acadêmica e outros trabalhos.

Após concluir o curso, dedicou-se à “história da Filosofia” e a lecionou entre 1957 a 1960, na mesma Sorbonne. De 1964 a 1969, também a lecionou na universidade de Lyon, França.

Em 1968, orientado por MAURICE GANDILLAC, apresentou a sua tese de Doutorado, Diferença e Repetição, na qual censura o “Conhecimento por Representação*” e a ciência, ou o saber, resultante do mesmo, ainda que ele seja considerado Lógico e aceito como válido pelos ortodoxos.

NOTA do AUTOR - Conhecimento por Representação é aquele auferido através de Imagens mentais, de pensamentos, de ideias e não do contato direto com a Coisa, com o Objeto ou com o Ser.

 Também nessa ocasião, apresentou uma tese secundária (sob a orientação de ALQUIÉ), onde discorreu sobre o filósofo SPINOZA (Holanda, 1632/1677). Intitulada de “Spinoza e o Problema da Expressão a tese analisa em profundidade as teorias do holandês acerca da expressividade do homem.

Posteriormente, lecionou na universidade de Vincennes até 1987 e promoveu um grande número de cursos, que foram registrados sua esposa Fanny Deleuze.

No campo das amizades, duas merecem destaque pela longa duração e pelos resultados que fomentaram. Em 1968, ele conheceu o já citado GUATTARI e do encontro de ambos nasceu uma longa e rica colaboração, mesmo que muitos a vejam com antipatia e descrença. Pouco depois, teve inicio a amizade com FOUCAULT, que mesmo nada tendo produzido de prático, contribuiu enormemente para a atual revalorização do ideário de NIETZSCHE.

A enfermidade e o suicídio.

Porém, a partir de 1992, com seus pulmões já afetados seriamente por um câncer, DELEUZE diminuiu suas atividades. Em 1995 sua saúde deteriorou-se ainda mais e ele passou a só respirar com a ajuda de aparelhos. Sem poder trabalhar e consumido pela angústia atirou-se de seu apartamento parisiense e morreu.

Seus admiradores consideraram seu suicídio coerente com a sua vida e obra, pois para ele: “o trabalho do homem era pensar e produzir novas formas de vida”.

Logo, sem poder trabalhar, seria inútil viver.

A Filosofia e a criação de Conceitos.

Como já se disse, DELEUZE considerava que a Filosofia é a criação de Conceitos. Aliás, este é o tema de seu livro O que é a Filosofia?

Conceitos, aliás, que sempre estiveram presentes em toda sua obra. Vocábulos como: máquinas-desejantes, *corpos-sem-orgãos, desterritorialização, **rizoma etc. permearam todo seu pensamento e lhes serviram para ilustrar suas concepções.

*Corpos-sem-órgãos – figura estética criada por Antonin Artaud que DELEUZE tomou emprestada para a composição do Conceito homônimo.

**Rizoma – aqui o Filósofo usa esse vocábulo, que originalmente pertence ao campo da Botânica, para demonstrar por analogia, o fato de os Conceitos estarem invisíveis, subterrâneos em um primeiro momento.

Contudo, apesar da importância que dava aos mesmos, ele nunca pretendeu que fossem considerados como “Verdades Absolutas”. Que fossem havidos como um paradigma.

Por isso, sempre buscou em seu trabalho desvendar o homem e compreender a sua natureza, as suas idiossincrasias, os seus propósitos etc. E, certamente, foi este o motivo de ter-se aproximado tão intimamente da psicanálise, sobretudo a “Freudiana”, através da amizade com GUATTARI.

Intuía estar na psique humana à essência da vida e foi este o caminho que escolheu trilhar para tentar responder às “dúvidas existenciais” de todos os Filósofos.

 Com a crítica radical ao “Complexo de Édipo” permeando a sua “Filosofia do Desejo (como foi jocosamente apelidada por alguns), DELEUZE consagrou grande parte de seu sistema à investigação sobre a “Esquizofrenia”, cujo processo, segundo ele, seria capaz de fazer o homem ter acesso ao conhecimento de Modo Direto (ie, sem a intermediação da Racionalidade, da Razão) o quê os tornaria as chamadas Máquinas-Desejantes.

Processo esquizofrênico que também seria capaz de criar os chamados corpos-sem-orgãos, já que a falta de qualquer Lógica Racional, pressupõe a ausência de qualquer organismo (no sentido de organização).

Seguindo, pois essa senda, sua proposta foi explorar ao máximo todas as potencialidades da psique humana, ressaltando, contudo, a enfática necessidade de se ter total prudência nas experimentações para que não haja qualquer aprisionamento à Moral.

Pois, para ele, em sua obra “Mil Platôs”, há o risco de o homem tornar-se um trapo, se a liberdade que for conquistada através de experimentações vir a ser obscurecida por alguma crença moralizadora.

A Divisão no Trabalho de DELEUZE

O trabalho de DELEUZE pode ser dividido em dois grupos:

1 – As obras em que ele interpreta os Filósofos Modernos, como Spinoza, Leibniz, Hume, Kant, Nietzsche, Bérgson e Foucault. E as considerações feitas sobre os mais variados assuntos filosóficos, com ênfase na criação de seus célebres “Conceitos”.

2 – As obras em que ele traça considerações sobre outros intelectuais e artistas, como Proust, Kafka, Francis Bacon (o pintor e não o Filósofo do Renascimento), criando uma “Filosofia da Imanência”, dos Diagramas, dos Acontecimentos.

Através dessa segunda parte de seu trabalho e influenciado principalmente pela Filosofia Vitalista de Nietzsche, Bérgson e Spinoza, DELEUZE aproximou as sua reflexões do cotidiano do homem comum e usou de forma sábia as mídias contemporâneas - sobretudo o cinema – para expor a sua maneira de pensar através dos conceitos “imagem-movimento” e “imagem-tempo”.

Foi um dos principais pensadores a teorizar sobre as questões do “atual” e do “virtual”, construindo um olhar sobre o Mundo a partir de todas as possibilidades.

Na sequência abordaremos mais algumas teses que o Filósofo desenvolveu e que lhe garantem até hoje o reconhecimento de todos os interessados nos temas.

A Importância da Obra Escrita

DELEUZE foi categórico ao afirmar que não há obra que não indique uma “saída para a vida”, pois a seu ver todas elas tem o poder de criar os meios capazes de elevar essa mesma existência a uma dimensão superior.

 Não é necessário ir longe para se certificar dessa verdade, haja vista que toda literatura tem o condão de abrir as mentes e de fortalecer os raciocínios, diminuindo por consequência as crendices que não permitiam ao indivíduo sair do lamaçal em que o cotidiano se transformara.

Vontade de Poder e Vontade de Potência

DELEUZE diferencia esses dois tipos de Vontades, dando ao segundo (Potência) a característica de ser uma forma superior de querer.

Uma elevada abnegação ao que se está construindo. E isso, tanto no campo teórico, quanto no prático.

A “Vontade de Potência” é inerente ao individuo. Está, naturalmente, em sua personalidade. Faz parte de suas características, mesmo que ele não tenha consciência da própria. São forças que estão além do seu controle voluntário.

É a essa Vontade de Potência que se referiu NIETZSCHE (Alemanha, 1844–1900) ao pregar que o “Super Homem” seria aquele não sufocasse o seu potencial (ou sua potência) na armadilha da Moral Cristã, cuja base é a afirmativa de que a mediocridade (que ela chama de humildade) seja uma Virtude.

Aliás, esse pensamento nietzschiano foi especialmente revalorizada por DELEUZE.

Já o primeiro caso, a Vontade de Poder está ao nível da consciência (psicológica, mental) e quer se impor a todo custo sobre qualquer outra força ou circunstância, buscando denodadamente sobrepujar todo reverso.

É claro que ao contrário da Vontade de Potência (ou do Potencial que o indivíduo já traz ao nascer)” essa segunda, nada têm de tão intenso que a leve a construir um Estado, ou um Estágio Superior de Consciência que esteja acima da querência física, intelectual, material, psicológica etc.

O Mundo a partir do Devir

Devir, como se sabe, é um termo grego que significa a “Eterna Mudança”, a “Perpétua Transformação de todas as coisas, como pregou o Filósofo pré-socrático HERÁCLITO.

DELEUZE seguiu-lhe o rumo e pensou o Mundo a partir da lógica existente nessa “Interminável Mutação”. É um pensar oblíquo, indireto, justamente porque a “transformação contínua” Não permite que haja um quadro definido.

Aliás, em seu sistema é impossível encontrar uma “Visão do Mundo” que seja clara, direta, pois as variações contínuas e constantes impedem que se tenha clareza absoluta sobre qualquer coisa.

Por isso, para ele, esse mesmo Mundo não passa de uma pergunta permanente.

E toda suposta definição, ou resposta, só será possível se for falaciosa e não filosófica, já que se baseou em crenças e crendices religiosas.

NOTA do AUTOR – para Heráclito, o Mundo “É” a Mudança. Só ela existe efetivamente, não passando o resto (as Coisas, os Objetos, os Seres, os Pensamentos, os Sentimentos etc.) de mera ilusão.

Afeto e Razão

Pode-se responder à pergunta sobre como DELEUZE une afeto e razão em sua Filosofia, dizendo que para ele são os “Sentimentos que nos fazem Pensar”.

Essa afirmativa, para muito eruditos, foi a sua maior contribuição ao estudo filosófico, na medida em que tirou do raciocínio humano a fonte do Pensar.

O sujeito parou de ser considerado como a “origem voluntária” do ato de refletir. Deixou-se de acreditar que o homem “pensa, quando e porque quer”.

Para DELEUZE, pensar é algo que se impõe ao pensador, e não o inverso. É o “Sentir” que o obriga a refletir.

E como os Sentimentos são naturalmente mutáveis e mutantes, disso advém à ideia de que Pensar é sempre recomeçar. Uma busca constante pelo novo.

O Teísmo e a Criação

O erudito Luiz Orlandi diz que “não podemos deixar a palavra “Criação” ser um monopólio de Deus”.

Com isso, em sua análise sobre a obra de DELEUZE, ele relembra que para o francês, o pensamento do homem é absolutamente imanente, dispensando, portanto, qualquer ideia de que existe um “Deus Transcendente”.

E o fato de que esta visão bebe na fonte de FEUERBACH, (Alemanha, 1804–1872) não empana o seu brilho, na medida em DELEUZE a dissecou de maneira perfeita.

Por isso, para ele, mesmo existindo a junção entre Deus e o homem, inexiste qualquer sentido, qualquer lógica em se prestar adoração a um “Ser fantástico, irreal” e que, na verdade, é apenas o reflexo do próprio homem.

Logo, a “Criação (de tudo)Não é um ato exclusivo de uma divindade, mas é uma realização que acontece a todo instante através das mãos humanas.

A Singularidade da Ética de DELEUZE

A Ética, ao cabo, é um cuidado permanente com a sua própria singularidade (ie, com aquilo que ela tem de diferente das demais) para que não haja contaminação da mesma pela baixa Moralidade.

É um esforço (ou o potencial, ou a capacidade) permanente para transformar as paixões rasteiras ou “negativas” em paixões superiores ou “positivas”.

E quando acontece essa elevação, têm-se a expectativa de que a potencialidade, ou o potencial, ou a capacidade do individuo se materialize e o transforme em um “outro”, mais potente e evoluído.

NOTA do AUTOR – aqui se observa que a construção da Ética é um processo embasado nas Sensações e não nas Reflexões. Coerente com a visão deleuziana de que o Pensamento é apenas uma sequência dos Sentimentos.

Epílogo

O pensamento de DELEUZE atrai muita atenção na atualidade, pois ele é um Filósofo na máxima acepção do termo. O valoroso criador de uma obra repleta de atenção conceitual, sem, no entanto, dogmatizar cada um dos conceitos que criou.

Bem ao contrário, de vários outros que transformam o pensamento filosófico numa espécie de Tabela de Mega Opiniões que, geralmente, serve apenas para ocultar interesses mesquinhos.

Em DELEUZE, há o fascínio despertado pelo diálogo, pelo contato entre o Filosófico e o Não Filosófico que permeia toda sua obra.

De forma magistral, ele consegue despertar-nos a intuiçao de que há algo além do nosso tosco cotidiano, mesmo que nada entendamos da matéria em si.

Mal comparando é como acontece com a música. Ainda que ignoremos notas, arranjos, tons etc. não deixamos de desfrutar o enorme prazer que ela nos proporciona.

 

Produção e divulgação de TAÍS ALBUQUERQUE, desde o Rio de Janeiro, no inverno de 2013.

Género: