Despedida

Despedida

Vem sentar-te comigo ao entardecer
Sentir as metáforas moribundas de um peito aberto
Rasga de mim o rascunho desbotado da lágrima
...erradia de mim um verso...ébrio...
...uma melodia crepuscular...
Retira de mim toda a ternura que nunca escrevi
Bebe dos meus olhos , o sal que o mar não tem
O diluvio serenado em silêncio ...

È deste peito aberto
Que partem as naus de velas brancas
Para fora do meu corpo... errantes
São cais...lenços ao vento
São gritos, agonias... de quem parte ...de quem fica
È neste porão profundo
Que guardo riquezas e especiarias
È nesta alma despida e nua
Que guardo despojos do pensamento
Onde guardo os meus silêncios
E segredos vidrados no gelo
...perdoa-me alma...
as noites em que te abandonei ao relento
moribunda entre leões de pedra
e âncoras calcinadas pelo tempo

II

Vem ...vem sentar-te comigo ao anoitecer
Vamos falar das palavras juntas pelo vento
Vem sepultar dores e mágoas...amarguras
No jardim do contentamento

Sob a quietude da noite
Dançam estrelas cintilantes
Rodopiam pétalas de luz
Efémero incêndio das almas submissas

Vozes , murmúrios, silêncio
Poesia dos Deuses , prosa dos Astros
Sóbrias neblinas , resplandecentes auroras boreais
Taças de firmamento borbulhantes
...brindemos...em silêncio...
Apenas o nosso olhar se toca...
...e caminhemos por este viaduto,
que nos leva ao infinito...
caminhemos e contemplemos
A poesia que jamais será escrita.

III

É para lá desta duna , que avistaremos
o céu e um deserto sem sombras
È para lá desta duna que correremos em busca do mar
Em busca de uma sombra , de uma arvore esplendorosa
Onde possamos por fim descansar e adormecer
Vagueio o pensamento , neste horizonte
Cansado , não me movo...
Apenas o meu pensamento se move
Em busca de um sonho
E da sombra do teu corpo
Vagueio o pensamento
Apenas anseio encontrar o mar
onde deixaste as lágrimas da minha poesia
o sono vem devagar , silencioso
oiço o mar ... uma onda vem , e depois outra e depois outra
como relógio que nunca para
serenas ondas
tépidas como a água com que lavas o corpo

para lá desta duna um farol ilumina a nau
que me levará a ver o mundo
que me levará a alma , se morrer aqui
uma nau de velas brancas
desafiando tempestades , desafiando os céus
sou o sonhador alquimista
procurando a pedra filosofal ...
acordo extenuado cansado sob o sol flamejante
caminho de noite sob estrelas que plantaste
brilhando orgulhosas no firmamento
sou o caminhante nocturno
que jamais descansa o pensamento
apenas este corpo entorpecido de tanto caminhar
sou um caminhante vagabundo
que escreve os sentidos nesta folha rasurada
vem sentar-te comigo ao amanhecer
o sol vem radioso , como a Íris de teus olhos
vem caminhar de mão dada
vem ver o sol nascer no mar... a luz do farol vai-se apagar
o faroleiro irá para junto dos filhos
e eu partirei em busca do mundo...
este mundo que será nosso
quando me aventurar no mar
vou banhar-me nas lágrimas que choraste por mim
e vou chorar também
vou embarcar nesta nau de velas brancas
enfrentar as tempestades
e desafiar o céu dos deuses.

Género: