DEUS.
Nas horas do silencio, á meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
E os abysmos do inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos sôem,
E a lua resplendente
Pare em seu gyro, ao resoar nest'harpa
O hymno do Omnipotente.
Antes de tempo haver, quando o infinito
Media a eternidade,
E só do vacuo as solidões enchia
De Deus a immensidade,
Elle existia, em sua essencia involto,
E fóra delle o nada:
No seio do Creador a vida do homem
Estava ainda guardada:
Ainda então do mundo os fundamentos
Na mente se escondiam
De Jehovah, e os astros fulgurantes
Nos céus não se volviam.
Eis o Tempo, o Universo, o Movimento
Das mãos sólta o Senhor:
Surge o sol, banha a terra, e desabrocha
Sua primeira flor:
Sobre o invisivel eixo range o globo:
O vento o bosque ondeia:
Retumba ao longe o mar: da vida a força
A natureza anceia!
Quem, dignamente, oh Deus, ha-de louvar-te,
Ou cantar teu poder?
Quem dirá de Teu braço as maravilhas,
Fonte de todo o ser,
No dia da creação; quando os thesouros
Da neve amontoaste;
Quando da terra nos mais fundos valles
As aguas encerraste?!
E eu onde estava, quando o Eterno os mundos,
Com dextra poderosa,
Fez, por lei immutavel, se librassem
Na mole ponderosa?
Onde existia então? No typo immenso
Das gerações futuras;
Na mente do meu Deus. Louvor a Elle
Na terra e nas alturas!
Oh, quanto é grande o Rei das tempestades,
Do raio, e do trovão!
Quão grande o Deus, que manda, em secco estio,
Da tarde a viração!
Por sua Providencia nunca, embalde,
Zumbiu minimo insecto;
Nem volveu o elephante, em campo esteril,
Os olhos inquieto.
Não deu Elle á avesinha o grão da espiga,
Que ao ceifador esquece;
Do norte ao urso o sol da primavera,
Que o reanima e aquece?
Não deu Elle á gazella amplos desertos,
Ao cervo a amena selva,
Ao flamingo os paúes, ao tigre o antro,
No prado ao touro a relva?
Não mandou Elle ao mundo, em lucto e trévas,
Consolação e luz?
Acaso em vão algum desventurado
Curvou-se aos pés da cruz?
A quem não ouve Deus? Sómente ao impio
No dia da afflicção,
Quando pésa sobre elle, por seus crimes,
Do crime a punição.
Homem, ente immortal, que és tu perante
A face do Senhor?
És a junça do bréjo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro, campeiando
Entre as neves alpinas:
Quem irá derribar o rei dos bosques
Do throno das collinas?
Ninguem! Mas ai do abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão: fundas raizes
Aos ares lhe assoprou.
Suberbo, sem temor, saíu na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao sol voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em roda o susto habita;
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta, se descerra
A bôca affogueada:
Qual duro arnez de intrepido guerreiro
É seu dorso escamoso;
Como os ultimos ais de um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira quando irado;
Porém, se Deus mandou,
Qual do norte impellida a nuvem passa,
Assim elle passou!
Teu nome ousei cantar!--Perdoa, oh Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hymnos,
Mas são hymnos de amor.
Embora vís hypocritas te pintem
Qual barbaro tyranno:
Mentem, por dominar com ferreo sceptro
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Receiar-te
É maldizer-te, oh Deus;
É o throno dos despotas da terra
Ir collocar nos céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existencia
Tranquillo, e sem temor, á sombra posto
Da tua Providencia.