DEVER

 

      Sê bem vinda estação melancolica!
      Sê bem vinda! minh'alma abatida,
      No teu seio procura essa vida,
      Que tão bella, e tão breve passou!
      Oh! são estes os campos formosos,
      É bem este o deserto mosteiro,
      Onde ouvíra o adeus derradeiro
      Que teu peito anhelante soltou!

      Já nas folhas do bosque frondoso
      Se desbota a risonha verdura,
      E co'a aragem que á tarde murmura,
      Vão caindo dispersas no chão.
      Já nos campos de todo cessaram,
      Os modilhos da ingenua avesinha,
      Que nas moitas espessas se aninha,
      Presentindo a invernosa estação.

      Que saudade na luz que desmaia,
      Nestes campos sem viço nem flores,
      Quando á tarde os incertos fulgores
      Do sol tibio resplendem no ceo!
      Que saudade na aragem agreste,
      Que deriva do cimo do monte,
      E no azul d'este vasto horisonte,
      Onde pallida a lua rompeu!

      Foi aqui nestas margens viçosas
      Hoje tristes, desertas, sombrias,
      Que sorriram os unicos dias,
      Para mim de ventura e de amor;
      Quando tu inspirada a meu lado
      Caminhavas com tremulo passo,
      E firmando-te alegre ao meu braço
      Davas graças da vida ao Senhor.

      Era aqui, junto á cruz mutilada,
      Aos extremos reflexos do dia
      Quando o sino da ermida se ouvia
      Dar signal da singela oração,
      Que tu vinhas prostrar-te soltando
      Com voz flebil a prece sentida,
      Pelo bem, pelo amor, pela vida,
      Dos que a sorte deixou na afflição.

      E depois nos meus olhos cravando
      Os teus olhos de pranto orvalhados
      Os protestos mil vezes jurados,
      Vinhas mais uma vez proferir;
      Nesse esforço baldado do espirito,
      Que nas frases da terra procura
      Expressar a celeste ventura,
      Que sómente se pode sentir.

      E pensar que este ceo de delicias
      Se acabou para nós na existencia!
      Que não temos mais nada que a essencia
      Da saudade que d'elle ficou!...
      Ver que a mão de um poder sobrehumano,
      Nos traz cegos do mesmo delirio,
      E votarmos a vida ao martyrio,
      Porque o mundo um fantasma creou!!

      Pois se Deus quiz ligar nossas almas,
      Se é fatal que ellas sejam unidas,
      Queres tu desprender duas vidas
      Que se acharam irmãs ao nascer?
      Vês que foi a suprema vontade
      Que as juntou num abraço divino,
      E ousas tu, desvairada e sem tino,
      Separal-as á voz do _dever_!

      O _dever_?! O dever mais sagrado
      E mais santo que temos no mundo,
      É mantermos o affecto profundo
      Que d'um sopro divino nasceu;
      Attentar contra a sua existencia,
      Debelar sem piedade essa vida,
      Não será como ser suicida
      E affrontar a vontade do ceo!?

      Sobre as aras de um templo mentido,
      Num altar pelos homens creado,
      Vais queimar quanto ha puro e sagrado,
      Por um falso julgar da razão!
      Sem pensar no teu crer insensato
      Que não póde jámais ser extincto,
      Este amor tão profundo que eu sinto
      E tu sentes co'a mesma paixão!
      ..................................

      Oh! de novo a meu lado, querida,
      Volve, em quanto no ceo e na terra,
      Nos agrestes perfumes da serra,
      A suave estação respirar!
      Volve pois, porque as veigas frondosas
      Não perderam de todo a verdura,
      E inda a mesma infinita ventura
      Neste sitio has de agora encontrar.

Setembro de 1856.
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