DEVER
Autor: Bulhão Pato on Tuesday, 22 January 2013
Sê bem vinda estação melancolica! Sê bem vinda! minh'alma abatida, No teu seio procura essa vida, Que tão bella, e tão breve passou! Oh! são estes os campos formosos, É bem este o deserto mosteiro, Onde ouvíra o adeus derradeiro Que teu peito anhelante soltou! Já nas folhas do bosque frondoso Se desbota a risonha verdura, E co'a aragem que á tarde murmura, Vão caindo dispersas no chão. Já nos campos de todo cessaram, Os modilhos da ingenua avesinha, Que nas moitas espessas se aninha, Presentindo a invernosa estação. Que saudade na luz que desmaia, Nestes campos sem viço nem flores, Quando á tarde os incertos fulgores Do sol tibio resplendem no ceo! Que saudade na aragem agreste, Que deriva do cimo do monte, E no azul d'este vasto horisonte, Onde pallida a lua rompeu! Foi aqui nestas margens viçosas Hoje tristes, desertas, sombrias, Que sorriram os unicos dias, Para mim de ventura e de amor; Quando tu inspirada a meu lado Caminhavas com tremulo passo, E firmando-te alegre ao meu braço Davas graças da vida ao Senhor. Era aqui, junto á cruz mutilada, Aos extremos reflexos do dia Quando o sino da ermida se ouvia Dar signal da singela oração, Que tu vinhas prostrar-te soltando Com voz flebil a prece sentida, Pelo bem, pelo amor, pela vida, Dos que a sorte deixou na afflição. E depois nos meus olhos cravando Os teus olhos de pranto orvalhados Os protestos mil vezes jurados, Vinhas mais uma vez proferir; Nesse esforço baldado do espirito, Que nas frases da terra procura Expressar a celeste ventura, Que sómente se pode sentir. E pensar que este ceo de delicias Se acabou para nós na existencia! Que não temos mais nada que a essencia Da saudade que d'elle ficou!... Ver que a mão de um poder sobrehumano, Nos traz cegos do mesmo delirio, E votarmos a vida ao martyrio, Porque o mundo um fantasma creou!! Pois se Deus quiz ligar nossas almas, Se é fatal que ellas sejam unidas, Queres tu desprender duas vidas Que se acharam irmãs ao nascer? Vês que foi a suprema vontade Que as juntou num abraço divino, E ousas tu, desvairada e sem tino, Separal-as á voz do _dever_! O _dever_?! O dever mais sagrado E mais santo que temos no mundo, É mantermos o affecto profundo Que d'um sopro divino nasceu; Attentar contra a sua existencia, Debelar sem piedade essa vida, Não será como ser suicida E affrontar a vontade do ceo!? Sobre as aras de um templo mentido, Num altar pelos homens creado, Vais queimar quanto ha puro e sagrado, Por um falso julgar da razão! Sem pensar no teu crer insensato Que não póde jámais ser extincto, Este amor tão profundo que eu sinto E tu sentes co'a mesma paixão! .................................. Oh! de novo a meu lado, querida, Volve, em quanto no ceo e na terra, Nos agrestes perfumes da serra, A suave estação respirar! Volve pois, porque as veigas frondosas Não perderam de todo a verdura, E inda a mesma infinita ventura Neste sitio has de agora encontrar. Setembro de 1856.
Género: