Dilúvios
2.
Sonhei com um cavalo-marinho de boca aberta nas montanhas.
Estava morto mas mexia-se.
O vento empurrava-o e ele rebolava com a boca aberta.
Nas montanhas vi homens e mulheres a dançar.
Um homem solitário escavava no meio dos homens e das mulheres.
E os homens e mulheres continuavam a dançar.
Riam-se da morte.
E havia água enlameada que não parava de subir.
Tive então um desejo: meter o arco-íris na boca do cavalo-marinho e entrega-lo ao homem que escavava.
Mas vi o homem que escava a atirá-lo para a cova e a tapá-lo.
E a água enlameada chegou ao cume das montanhas. E continuou a subir. E submergiu.
O lugar ficou inundado de cabeças a tentarem manter-se à superfície. Ficou inundado de braços aflitos no ar.
Homens e mulheres que dançavam ficaram em pequenos sítios flutuantes e foram-se empurrando uns aos outros.
Até que ficou apenas um exemplar de homem e mulher que dançava por cada sítio flu-tuante:
TODOS MORREM DEVAGAR.
E o homem que escavava morreu antes dos homens e mulheres que dançavam.
Miguesalgado, "Escuro"