Dispersos

1

    --Soffro por ti nesta auzencia,
    Tanto que não sei dizer.
    --Meu Antonio! Tem paciencia!
    Soffrer por mim é soffrer?

2

    Ah quem me dera abraçar-te
    Contra o peito, assim, assim...
    Levar-me a morte e levar-te
    Toda abraçadinha a mim!

3

    Ai ella é tão pequenina
    Que, quando ao meu collo vae,
    Diz o povo: uma menina
    Que vae ao collo do Pae!

4

    És tão fraca, tão fraquinha,
    Que, ao passar, uma andorinha
    Com um simples encontrão
    Podia deitar-te ao chão.

    Mas tambem te levantava
    Sem grande custo: bastava
    Beijar-te (nem isso, até)
    Logo te punhas em pé!

5

    Espreitei á tua porta,
    Quiz vêr-te a dormir, sorrindo...
    Mas ai! só vendo-te morta,
    Saberei como és dormindo!

6

    --Dá-me um beijinho, que eu peço?
    --Isso sim!--Furto-lh'o então!
    --Não que eu metto-o n'um processo
    Pelo crime de ladrão!

7

    O teu somno--ai que ventura
    Tantos sonhos, que sei eu?
    O meu é uma noite escura
    Com uma _estrella_ no ceu!

8

    Coração, bates saudades
    Saudades tão tristes são,
    Lembra-me o sino ás Trindades,
    O sino faz: Dlão! dlão! dlão!

9

    Ai! na hora da partida,
    Parte-se o coração!
    Ai! como é triste a Vida!
    Uns ficam... outros vão...

10

    O coração apodrece,
    Apodrece como o mais
    Mas a dôr, ai! reverdece,
    Essa não morre jamais.

11

    És morena, moreninha,
    Morena de andar ao sol!
    No dia em que fôres minha
    Como has de ser moreninha
    Na brancura do lençol!

12

    São as meninas da Ilha da Madeira
    Ternas, graciozas, pallidas, ideaes;
    Fica-se doido, vendo-se a primeira,
    Doido se fica, se se veem as mais;
    Qual é a mais bella da Ilha da Madeira.
           Se são todas eguaes?

13

    Ha um lindo logar, em Traz-os-Montes,
    Com uma caza só, a caza della.
    O mais é o pôr-do-sol, bouças e fontes
    Que compõem a sua parentella.

    Encanto de possuir uns taes parentes!
    Fidalga excepcional que é a Purinha!
    Que ella nas veias tem sangue dos poentes,
    E os cravos brancos chamam-lhe: Priminha!

    Oh que ascendencia! que familia estranha!
    Onde ha fidalgos com uns taes avós?
    Sois os seus Paes, pinheiros da montanha,
    E assim ella é altinha como vós!

14

    Amo-te toda porque és linda, linda, linda!
    Teus olhos, tua voz, teu sorrizo, eu sei lá!
    Mas o que eu amo mais, o que amo mais ainda,
    É a alminha de Deus que dentro de ti está.

15

    Uma alma chega ao pé do seio da Purinha!
    E bate devagar, docemente: «truz! truz!»
    --Quem é? (responde lá de dentro uma vozinha)
    --(Antonio...) e logo veio á porta, com a luz.

16

    Mamã te chamo porque me trazes ao peito,
    Filha te chamo pelo mimo que te dou,
    Irmã te chamo porque te tenho respeito,
    Noivinha te chamo porque teu noivo sou!

17

    Na sexta-feira ás dez horas olha p'ra lua,
    Que eu, tão longe, ai tão longe! hei-de olhal-a tambem:
    Assim minha alma encontrar-se-á lá com a tua!
    E quem se encontra, filha!, é porque se quer bem!

18

    Tu és altinha como eu, embora
    Eu seja um homem e tu uma criança!
    Tanto que ao irmos pela estrada, agora,
    Ouvi dizer: «Que lindo par de França!»

19

    Teus olhos são dois ceus. E nelles leio
    O que nos outros lêem os pastores:
    Estrella da manhã dos meus amores!
    Sete estrello que vaes do ceu em meio!

20

    Ai que saudade! O amor das Extrangeiras!
    Que chegam, sabe Deus d'onde e com que fito,
    E um dia, lá se vão andorinhas ligeiras,
    E nunca poisam, andorinhas sem Egypto!

21

    No vosso leito, á cabeceira, ponde isto,
    Ponde este livro ao pé do vosso coração:
    Adormecei rezando a «Imitação de Christo»
    E «Nun Alvares», que é de Christo a imitação.

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