Entre o dia e a noite

    Entre a noite e o dia

 
 
Atentamente distraio-me nas estrelas
Enquanto a lua cheia em câmara lenta
Entra pela janela dedilhando
Um colar de pérolas
No leito de escureza e silêncio da noite
 
A tua beleza adormecida
No ciclópeo lençol do luar.
O quarto iluminado por essa tripla inspiração
Purifica-se-me a alma 
De astros e mulher.
 
Faço pause aos sentimentos
E em parábolas
Desenham-se
Em papéis submersos na pele,
De emoção satisfeita e desejo apaziguado
Os teus seios
 
(Vou descansar esta eternidade)
 
(Amanhã começa tudo de novo)
 
O sol espeta-me nos olhos
Suas lanças de ouro
E o trânsito estilhaça-me os tímpanos
Com as suas granadas cheias
De ruído de motores e claxons
 
Passo os olhos pela narrativa, pela poesia
E por livros escolares
Só á superfície
Para não me deprimir
 
A gravidade pesava tanto
Quando as mãos da devoção
Me traziam o jantar
Exaustas
Depois do trabalho
E ela conseguia sempre ter a leveza
De ser mãe
Até aos dias do adeus
 
Hoje estranho as minhas veias
E espalho-me pelas ruas
Com um tóxico e punido sangue
De cansado tabagista
Pugilato masoquista
Leve bala, folhas e papel
Borboleta cinzenta e letal
 
(Ontem foi tão bom)
 
Estou ansioso pelo pôr-do-sol
E vou fumando enquanto não chegas a casa
Depois encharco-me 
Nas palavras e nas cores 
Do poema da tua roupa
Antes de despir toda a fúria
Que enchi como um balão 
Flutuando na cidade.
 
Género: