FALSA APARÊNCIA
Autor: António Jesus on Thursday, 3 November 2016
Pinta de branco o barro cru da jarra tosca.
Coloca-a numa sala entre sofás e livros raros.
Enfia-lhe flores vistosas, colhidas numa estufa.
Põe-lhe um selo, um carimbo, dá-lhe um rosto…
E terás falsa porcelana.
Traça a cinza veios em seu bojo,
Esfrega verniz. Na boca um aro dourado.
Coloca-a sobre um suporte de negro polido.
Dá-lhe lugar vistoso, na sala de visitas.
E terás belo mármore.
Deita-lhe água dentro.
Pouco a pouco…
Cai o verniz, abrem-se brechas na pintura.
Com o tempo, a fachada senhoril perdida deixa ver,
Seu verdadeiro perfil de barro tosco.
Raspa-lhe a tinta baça. Atira-a para um canto.
Jarra de barro cru, mesmo pintada a branco…
Depressa se adivinha. Não convence ninguém.
Do livro VIVENDO O POENTE
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