FANON, Frantz - Filósofos Modernos e Contemporâneos
FANON, FRANTZ
1925/1961
Para o Negro há somente um destino, e ele é branco... Frantz Fanon... “Esse sacerdote ao menos não negava que os índios descendiam de Adão e Eva, pois ainda eram numerosos os Teólogos e Pensadores que não tinham sido convencidos pela Bula Papal de Paulo III, em 1537, que declarava os índios ‘verdadeiros homens’...”. “Em Setembro de 1957, quatro séculos depois da Bula Papal, A Suprema Corte de Justiça do Paraguai emitiu uma circular comunicando a todos os juízes do país que ‘ os índios são tão seres humanos quanto os outros habitantes da República’...” Eduardo Galeano.
FANON nasceu na Martinica, colônia francesa no Caribe, e após lutar na 2ª Guerra Mundial, estudou Medicina em Lyon, França, onde também frequentou cursos e saraus de literatura e de filosofia, inclusive com o grande mestre Merleau-Ponty.
FANON sempre pensou ser francês, mas o racismo que encontrou na França o surpreendeu a tal ponto que ele passou a questionar a sua própria nacionalidade. E também fez com que ele desenvolvesse rigorosos estudos sobre o tema, sem a inoportuna passionalidade panfletária e oportunista.
Assim, em 1951, um ano após se formar em Psiquiatria, publicou a sua primeira obra relativa ao tema que batizou de “Pele Negra, Máscaras Brancas”.
Com ela, iniciou a série de seus escritos especulativos e críticos (no sentido de “censura” e de “minucioso”) que seguramente foram decisivos para que o assunto ganhasse o merecido destaque.
Empregado pelo governo francês foi enviado para a Argélia como psiquiatra chefe de uma ala do hospital local.
E ali ele tomou conhecimento das torturas e abusos que eram sistematicamente cometidos pelas tropas francesas contra os insurgentes argelinos que lutavam pela independência de sua pátria.
Os relatos das vitimas, deixaram-no de tal modo enojado e revoltado que ele não hesitou em se demitir de seu posto no Governo francês e em aderir à causa do Movimento de Independência da Argélia.
Porém, no final da década de 1950, adoeceu e a Leucemia foi-lhe devastadora, impedindo que prosseguisse com suas atividades normais, sem, contudo, abalar o prestígio que ele já havia conquistado.
Assim, no mesmo ano de sua morte, 1961, foi publicada a sua última obra, denominada “Os desafortunados da Terra”, cujo prefácio foi assinado por ninguém menos que JEAN PAUL SARTRE, que, a exemplo de muitos outros, o reverenciava como um ícone do movimento contra o racismo e contra as outras formas de discriminação.
O Preconceito Racial
Neste Ensaio, focaremos apenas a questão do preconceito racial que o indivíduo negro sofre, mas é claro que temos consciência de que essa sórdida e injustificável atitude também é imputada a várias outras etnias, ou agrupamentos sociais.
As frases pinçadas do excelente livro de EDUARDO GALEANO, “As veias abertas da América Latina”, e expostas no inicio, sinalizam para esta universalização do preconceito e da segregação, que só não será tratada aqui por uma questão de lealdade ao tema proposto que versa sobre um pensador determinado.
Ainda sobre as frases em epígrafe, esclarecemos que a de FANON, a princípio poderá parecer provocativa (mormente, nesses tempos do vazio “politicamente correto”). Porém, ela sintetiza com muita propriedade a tese básica do filósofo, conforme se pode observar pelo resumo que segue:
- As “Culturas Coloniais Brancas1” tendem a igualar a “negritude” com inferioridade.
- Os negros, colonizados ou escravizados, submetidos à brutalidade dos colonizadores, tornam-se tão aparvalhados com a crueldade da subjugação que nem conseguem reagir contra a usurpação de sua dignidade e de sua tábua de valores.
- No passo seguinte aceitam a ideia de que “a Cultura dos Colonizadores seja superior à sua”.
- Já sem qualquer “Identidade Cultural”, imaginam que a única alternativa será rejeitar a sua negritude para “se parecer com o Branco colonizador”. Tentativa em vão, é claro, e que só aumenta a progressiva queda em sua autoestima. Além de vitimas, tornam-se atores desse sórdido processo.
- A “Inferioridade” diretamente associada ao fato de ser negro, leva muitos colonizados e/ou escravizados (inclusive seus descendentes) a adotarem, ou tentarem adotar, a “Cultura Branca do Colonizador” e desejarem “ser como os brancos”.
- Além de todos os agravantes em termos de dignidade, esse comportamento acarreta outro enorme malefício à “Causa pelo fim do preconceito”, pois, se o próprio “Inferior” julga que o outro lhe seja tão “Superior”, ao ponto de até ansiar tornar-se igual a ele, fica falsamente subentendido que a sua “inferioridade” é real, efetiva. Logo, a discriminação seria justa e justificável (sic).
NOTA do AUTOR – A partir dos Movimentos de Valorização do Negro, de sua Cultura, de sua Estética, de sua Religiosidade etc. essa rejeição à Negritude deixou de ser explicita, embora ainda persista no inconsciente de alguns extratos da população negra. Porém, o fato desse Movimento de Recuperação da dignidade de ser Negro ser ainda muito jovem e já ter conseguido resultados expressivos, inspira sólida esperança de que toda subvalorização, inclusive a que se esconde no Inconsciente, em tempo muito curto seja completamente extinta.
NOTA do AUTOR - peço a compreensão do leitor (a) para o fato de que neste Ensaio comento o Ideário de FANON que escrevia conforme as circunstâncias de seu tempo. As atualizações de discursos, de nomenclaturas, de palavras de ordem, de práticas etc. não serão consideradas, salvo em itens pontuais, pois o que se pretende é mostrar o pensamento original do filósofo, inclusive para balizar o quanto se avançou, ou não, na eliminação desse câncer social que reproduz seus malefícios ainda hoje, não obstante o cerceamento legal e moral que lhe é feito.
As lutas contra a discriminação
FRANTZ FANON, desde a sua primeira obra buscou investigar as raízes mais profundas da herança social e psicológica que o Colonialismo deixou em sua vitimas.
Para ele, o fato de “o Negro querer ser como o branco” poderia ser uma reivindicação justa, se ficasse limitada apenas ao aspecto material. Afinal, desejar melhores escolas, postos de saúde, oportunidades para os crescimentos profissional e financeiro etc. é uma legitima aspiração humana.
Porém, lamentavelmente, esse desejo estende-se para além da questão concreta, financeira.
O negro abdica de sua cultura ancestral, para tentar viver como os colonizadores brancos em razão das circunstâncias acima enumeradas. Em raríssimos casos conseguem, mas apenas para ser um “branco de segunda classe”.
FANON identifica esses indivíduos, principalmente entre os atletas e os artistas, cujos talentos individuais os elevam acima da média. Geralmente, são pessoas que abrem mão de suas características, de sua tradição, de seus valores para serem considerados como “um intruso inferior” de que se deve tolerar apenas em razão de suas habilidades especificas. E, mais recentemente, para acatar uma das regras do “politicamente correto”.
O Complexo de Superioridade
Mas de onde viria esse complexo de superioridade que permeia as “Culturas Brancas Europeias” que tendem a ver o negro como um “Ser inferior”?
Para o Filósofo, e para vários outros eruditos, a razão é oriunda de uma lógica rude e belicista, que preconiza o uso da “Força” ao invés do “Direito”.
Dentro, então, dessa visão deturpada, como classificar um homem que se deixou escravizar?
Como classificar um homem, que por tanto temer a morte, abdicou da própria independência para sobreviver em uma existência miserável como escravo?
Arrogantemente eurocêntricos, salvo as exceções de praxe, não conseguem entender que a Vida pode ser regida por valores diferentes dos seus. Que outras pessoas, outras etnias, outras culturas tenham outra Escala de Valores, os quais, não são necessariamente idênticos aos seus.
Então, de acordo com a sua ignorância e com a sua turva lógica, ao invés de buscarem ampliar seus horizontes para compreenderem essas diferenças, optam, ou melhor, seguem o caminho que é mais apropriado ao seu rebaixamento intelectual e não hesitam em taxar, ou rotular, como errado todo aquele que lhes for diferente.
Eurocêntricos, incapazes de ver e de compreender que a sua endeusada “Cultura Europeia” decorre de fatores diversos, que vão desde as questões climáticas até as questões relativas à apropriação, nem sempre legitima, do saber produzido por outros povos, (como aconteceu com a Filosofia grega que se baseou amplamente nos conhecimentos hindus e africanos). E que, portanto, o seu modo de ver o Mundo, não pode servir como parâmetro para balizar os comportamentos alheios.
Não pode servir para rotular o negro, que naturalmente não tem a sua belicosidade primitiva, como um Ser inferior. Um derrotado, um covarde, etc.
Mas, sem conseguirem enxergar essa óbvia verdade, como “bestas irracionais e enfurecidas”, avançaram ferozes em seus maléficos propósitos de dominação, evangelização, exploração, escravização, saque, roubo, genocídios etc. sobre as outras etnias.
NOTA do AUTOR – a esse propósito, JEAN JACQUE ROUSSEAU disse: “a força produziu os primeiros escravos, a frouxidão destes os perpetuou”.
E tal foi a força deste “tsunami” que o próprios subjugados acabaram vendo-lhes misticamente “como Seres superiores”, como “Deuses do Mal” contra quem seria inútil lutar. E, por fim, resignaram-se ao fato de serem os “inferiores” que foram vencidos.
E para FANON, e muitos outros estudiosos, foi assim que a negritude virou sinônimo de inferioridade. Foi assim que moldou a visão de vencedores e de vencidos, que lamentavelmente repassaram essa maldita herança para seus descendentes, os quais, em extremo, chegam a considerar a cor de sua pele como sinal de maldição divina*.
NOTA do AUTOR os cidadãos (ãs) estadunidenses da raça negra não se autointitulam de “negros”, mas de “afrodescendentes”. Porém, os cidadãos (ãs) estadunidenses da raça branca se autointitulam de “brancos” e não de “euro-descendentes”. Por quê? Assumir-se como negro, ainda envergonha aos primeiros?
NOTA do AUTOR* – sobre o termo “Maldição” é interessante notar que por inescrupulosa manipulação, religiosos e teólogos de carateres duvidosos não hesitaram em associar a pele negra de Jefé, ou Jafé, filho de Noé, a tenebrosas perversões. Tais perversões seriam castigadas por Deus, fazendo com que os descendentes de Jafé fossem sempre inferiores aos descendentes de Sem, o patriarca dos semitas de pele branca (sic).
E como resultado dessa visão deformada, a única alternativa resumiu-se ao desejo de ter “uma existência branca”, mas esse desejo esbarraria na “maldição” de ter nascido com a pele negra e por isso nunca ser completamente aceito como “branco”, ainda que abandone os valores de sua etnia e tente abraçar os da outra.
Um triste exemplo dessas tentativas está na memória de todos aqueles com mais de cinquenta anos – como este escrevinhador – que se lembra de como os homens negros alisavam quimicamente os seus cabelos para ficarem semelhantes aos cabelos dos brancos. E, aliás, nos EUA essa tendência ainda é forte entre as mulheres, pelo mesmo motivo.
Para FANON, o desejo de ter uma “existência branca” é o que de pior pode haver, já que além de inibir a valorização da Cultura Negra em suas várias faces, ocasiona rejeições e auto-rejeições significativas, enquanto “avaliza” o pseudo acerto de haver Racismo.
Noutra parte de sua obra, mas ainda dentro do tema, Fanon escreveu que “a alma do homem negro é um artefato do homem branco”. Ou seja, a ideia do que significa ser negro – ie, “ser inferior” – resulta do pensamento eurocêntrico que mede todas as coisas segundo a sua escala de valores, dentre os quais, como já se disse, estão a conquista sanguinária, a brutalidade, a belicosidade e outros traços da violência que produziu duas Guerras Mundiais.
Racismo, aliás, que ainda hoje vigora de maneira implícita e em certos momentos de forma explícita, quando, por exemplo, jogadores de futebol de outras etnias, principalmente a negra, são insultados apenas pelo seu biótipo.
A falácia da inferioridade genética
Contudo, se por um momento tais fanáticos pudessem se libertar dos preconceitos, certamente que não conseguiriam responder a uma simples pergunta: em quê a etnia negra é inferior às demais?
Sim, pois próceres negros, tanto intelectuais quanto esportivos são vários. E toda a sua construção mitológica, religiosa e filosófica nada fica a dever às similares de outras raças. Nada, pois, justifica o malfadado preconceito, a segregação e a injustiça.
O Movimento Négrittude
Outra parte a ser destacada no ideário de FANON é quando ele analisa o movimento ocorrido na França, na década de 1930, chamado de “Négrittude” e que congregava escritores negros franceses e os de língua francesa (inclusive de sua Martinica natal) em torno do objetivo de rejeitar o Racismo e a Cultura Colonialista, que predominavam na época, e, concomitantemente, defender vigorosamente uma Cultura Negra, compartilhada e independente.
Para FANON, o movimento fracassou justamente por visar substituir a nefanda Cultura predominante, como forma de superar a discriminação e as injustiças, por outra que se tornaria inexoravelmente similar à substituída, apenas com os papéis invertidos.
O ódio racial e a baixa desforra não poderiam ocupar um espírito elevado como o dele e por isso ele afirmou que ao substituir as posições dos envolvidos no preconceito racial (o negro passaria de oprimido a opressor e o branco vice-versa) nada de efetivo estaria sendo realizado, já que o mal em si, ou seja, o Racismo permaneceria intocado.
Assim sendo, sendo sua óptica, o movimento “Négrittude” propunha, de fato, apenas a repetição de um erro brutal.
Para ele, a solução efetiva só acontecerá quando formos além da questão racial, pois enquanto permanecermos presos à ideia de Raça, jamais acabaremos com as injustiças. Segundo as suas palavras:
“Encontro-me no Mundo e reconheço que tenho apenas um Direito. Aquele de exigir um comportamento humano do outro”.
Que se trata de um desejo legitimo não se duvida, é claro. Mas se olharmos com mais objetividade para a realidade, veremos o quanto ele tem de ingênua utopia, pois o nascimento do “Conceito Raça” se perde na noite dos tempos e seguindo-lhe pari passu vem o Racismo.
Epílogo
Como já se disse, neste Ensaio destacamos o Racismo cometido contra o indivíduo negro, mas sabemos que o mesmo é uma doença que a todos atinge. Nós, humanos, gostamos de pertencer a um conjunto, a um grupo, a uma etnia. Somos “animais políticos” como bem disse ARISTÓTELES. Temos essa carência desde sempre.
E em singular conversão, ao pertencermos a determinado grupo, dele nos apossamos. Somos simultaneamente integrantes e proprietários. E por termos assumido que o grupo é nossa propriedade, tendemos a sobrevalorizá-lo em relação aos demais.
Salvo as honrosas exceções, assim somos, assim pensamos e assim agiríamos se não temêssemos alguma punição, ou algum revide. Esta é a fria realidade.
Porém, como nos ensinou HERÁCLITO, tudo muda. Inclusive a realidade. Por isso, talvez esteja em HEGEL a fórmula para o Futuro mais justo que desejamos.
Adaptando o seu genial “Sistema Dialético” e usando de liberdade literária, teríamos a seguinte configuração:
TESE – a ideia sobre a “superioridade branca” que ainda vigora.
ANTÍTESE – o movimento de valorização do negro, de sua estética, de sua cultura, de seus valores, de sua religiosidade etc.
SÍNTESE – que oferecerá a completa igualdade de Direitos e de Deveres a todos os cidadãos (ãs), sem que seja necessário o abandono das características de cada etnia. Afinal é pela diversidade do conjunto que o “Todo” se enriquece.
Será, então, a realização do desejo de homens como FANON, que ousaram sonhar.
NOTA do AUTOR - “Cultura Colonizadora Européia, ou Branca” é um termo genérico que obviamente não engloba todas as pessoas brancas e europeias, mas tão somente aquelas cujo pensamento e ação são cordatos com a prática espúria do preconceito e da discriminação. Registre-se, também, que os abusos cometidos não são inerentes apenas aos “brancos europeus”. Infelizmente são de uso costumeiro a todos os maus caracteres, de todas as etnias. Inclusive da negra. Conta-se com a compreensão dos leitores (as).
Produção e divulgação de TAÍS ALBUQUERQUE, desde as Montanhas das Gerais, no inverno de 2013.