Fim-de-Tarde

Fumo a vida na ponta de um cigarro,
sorvendo delicadamente a nicotina
que me embala os sentidos.
Não espero nada.
No Príncipe Real reina a tranquilidade costumeira:
Os pássaros voam por sobre a minha cabeça,
passando rentes aos meus pensamentos
que se elevam altos no ar.
Jogam-se baralhos de cartas reformados
enquanto se discute a sueca da crise actual.
Os pombos debicam as migalhas
que algum sénior despojou pelo chão
como que a queimar os últimos cartuchos que lhe restam.
Crianças baloiçam alegres na ingenuidade da infância
entremeadas entre risos e picardias típicas da idade.
Há cães a passear donos descontraídos
que vão enganando assim o stress do lufa-lufa diário.
Estrangeiros pálidos e psicadélicos
bronzeiam a pele ao sol português,
enquanto sentem, deitados, a realidade fresca da relva.
Há outros que, alheados de tudo isto,
mergulham nas histórias de romances de capa mole,
submersos em enredos de heróis triunfantes
como certamente eu nunca serei.
Também há quem amortalhe múmias de ervas secas
com as pontas delicadas dos dedos,
deslizando depois a língua pelo limite do papel
como quem lambe os lábios doces de açúcar,
e selando, por fim, a cumplicidade amigável de um charro.
Acendem pavios que são paivas
e vem-lhes a paz que lhes inebria as sensações.
Confesso que lhes sinto alguma inveja
e que desejo ser o próximo do "gira a chucha".
Quero isto com o propósito do alheamento de tudo,
ou apenas de trocar dois dedos de conversa amigáveis
entre risos estridentes e companheiros.
Enquanto isto, a brisa sopra leve, levantando folhas
e envolvendo de mística todo este passar tempo dos outros...
E eu aqui. Sentado passivamente,
a ver tranquilamente tudo isto de fora
como quem vê peixes na montra de um aquário.
Comigo só uma caneta e um caderno
com os quais finjo brincar aos poetas.
O tempo vai passando moroso.
Já não penso nada e já espero tudo.
E gosto disto. E sinto-me calmo. E sabe bem.
Pudera que todos os dias fossem assim!

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Comentários

Viajei a Portugal pelas tuas linhas, e me vi ai, sentada quietinha... somente a observar a vida passar. 

Abraços.

Viajei a Portugal pelas tuas linhas, e me vi ai, sentada quietinha... somente a observar a vida passar. 

Abraços.

Viajei a Portugal pelas tuas linhas, e me vi ai, sentada quietinha... somente a observar a vida passar. 

Abraços.

Obrigado pelo teu comentário!

Que bom que é quando se consegue dar a quem lê a sensação pretendida... Eu também adoro observar o que me rodeia quietinho, sem interferir muito.

Beijinho